Coperlidere
RR MÍDIA 3
Crise no Cruzeiro

Clube-empresa e recuperação judicial: especialista explica caminhos cogitados pelo Cruzeiro

Força tarefa vem de todo modo buscando alternativas para sair da crise

30/12/2019 08h21
Por:

O Cruzeiro estuda como sair da crise financeira, com uma dívida de cerca de R$ 700 milhões, e uma das saídas apontadas pelo diretor-executivo do clube, Vittorio Medioli, é a possibilidade de a Raposa se tornar um clube-empresa e pedir recuperação judicial, quando é apresentado aos credores um plano para pagar os débitos.

Após a primeira reunião do Núcleo Dirigente Transitório, nessa quinta-feira (26), Medioli afirmou que essa alternativa é estudada. “Existe uma legislação que já foi aprovada na Câmara Federal, deve passar agora no Senado, e que permite uma recuperação judicial do Cruzeiro. Tem um Cruzeiro que vai fazer 99 anos, e tem um Cruzeiro que vamos preparar para ter 200 anos de glória, mas profissionalizando, deixando essa figura de clube, e montando uma empresa, uma S/A, com ações que torcedores podem comprar”, disse.

Entretanto, em entrevista um dos novos responsáveis pelo marketing e publicidade do clube, Carlos Ferreira Rocha, minimizou a possibilidade. “O que o Medioli quis dizer é que essa possibilidade existe. Mas, a nosso ver, essa possibilidade é a última instância, ela não está em primeiro lugar.”

O mestre em direito desportivo e colunista Gustavo Lopes explica as vantagens e desvantagens sobre um clube deixar de ser associação sem fins lucrativos e se tornar clube-empresa:

O que é a recuperação judicial?

O processo de recuperação judicial é de utilização exclusiva para empresas. Um clube que é revestido estatuariamente e institucionalmente como uma associação não pode nem pedir recuperação judicial e nem falência.

O termo falência não é sobre o ponto de vista gramatical inadequado, mas sobre o ponto de vista jurídico seria inadequado, uma vez que falência no Brasil só se aplica a empresas. No caso do Cruzeiro, a legislação aplicável é o Código Civil, que traz a possibilidade de se dissolver uma associação. Neste caso, do patrimônio dela subtrai-se o que tem de dívidas, e o patrimônio que sobrar deve ser entregue a outra entidade também sem fins lucrativos.

Portanto, o Cruzeiro não pode, sob o ponto de vista técnico, falir. O que pode acontecer é uma refundação. É se extinguir a associação que existe atualmente, paga-se o que se tem de dívidas com o patrimônio, e aí cria-se uma nova entidade, refundada, que teria um novo CNPJ, e a entidade antiga faz uma sessão do símbolo, do nome, da marca Cruzeiro para essa nova entidade, e ela passa a existir.

O Rangers, da Escócia, passou por um processo como este e na sua refundação herdou-se as cores, o escudo, o nome. Toda a propriedade imaterial do Rangers antigo. 

Qual seria o prejuízo esportivo com a refundação?

A vacância da vaga do Cruzeiro na Série A do Campeonato Mineiro e na Série B do Campeonato Brasileiro. O Cruzeiro teria que recomeçar sua caminhada do zero. Ele jogaria a terceira divisão do Campeonato Mineiro, para conseguir acesso à segunda divisão do Estadual e, assim, para chegar na Série A do Campeonato Mineiro. A partir dela, conquistar uma vaga na Série D do Campeonato Brasileiro. E para chegar à elite do futebol brasileiro, se tudo der certo, seriam pelo menos sete anos. Uma análise que tem que ser feita é essa: o preço desportivo que se pagaria para essa refundação.

E se o dinheiro da venda de bens for insuficiente para pagar as dívias?

Em tese, com a extinção da associação, aquelas dívidas não pagas pelo patrimônio que o Cruzeiro hoje tem morreriam. Entretanto, existe um instituto, no ordenamento jurídico brasileiro, que prevê a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica. Existe também outro dispositivo que prevê a sucessão de débitos. Se ocorre a desconsideração da pessoa jurídica, os dirigentes do Cruzeiro poderiam responder com patrimônio pessoal às dívidas não pagas. 

No que diz respeito à sucessão, a mesma coisa. Corre-se o risco de algumas dívidas do Cruzeiro serem repassadas judicialmente para essa nova entidade refundada, caso o Judiciário entenda que ela é sucessora. Eu até acredito que, sob o ponto de vista trabalhista, isso aconteceria em todos os casos porque a Justiça de Trabalho faz essa sucessão com relativa facilidade, sem a exigência de muitos requisitos. Então é bem possível que essa nova entidade refundada herde  parte das dívidas do Cruzeiro.

O que prevê o projeto de lei do clube-empresa, aprovado pela Câmara dos Deputados, mas que ainda será analisado no Senado?

Caso o clube se converta em empresa, ele pode, no dia seguinte, pedir recuperação judicial. Isso é relevante porque na legislação atual uma empresa só pode pedir recuperação judicial depois de existir por pelo menos seis meses. Se o Cruzeiro vira empresa, com base na lei do clube-empresa, e no dia seguinte ele pede recuperação judicial e ela é deferida, imediatamente o Cruzeiro fica seis meses sem poder receber nenhum tipo de cobrança.

O que ocorre após esse período?

É marcada uma assembleia de credores, que vão votar o plano de recuperação apresentado pelo Cruzeiro, que pode ser aprovado, inclusive, com o Cruzeiro pagando menos do que deve. Isso pode ser extremamente vantajoso.

As dívidas na Fifa, cerca de R$ 52 milhões, poderiam entrar na recuperação judicial?

Elas não estão sujeitas à recuperação judicial, uma vez que a legislação aplicada a elas é suíça (onde está a sede da entidade). Não pagar as condenações da Fifa pode levar à perda de pontos e até a rebaixamento.

Que sugestões o senhor daria para resolver o problema?

Eu não conheço a fundo os balancetes do Cruzeiro, mas pode tentar centralizar as dívidas trabalhistas e pagá-las aos poucos, buscar junto aos órgãos tributários um novo parcelamento, convocar os credores e pedir a possibilidade de se fazerem acordos. Na Fifa, procurar os credores e tentar uma negociação, inclusive envolvendo atletas. Convocar a torcida, explicar que o ano que vem é de sanear o clube, não prometer subir para a Série A e dizer que ficar na Série B pode ocorrer como estratégia para pagar as dívidas e voltar em 2021 mais forte. É hora de jogar junto torcida e diretoria. O Cruzeiro não vai acabar. Saída tem.