Por Itasat
Várias lutas de boxe em disputa por medalhas na Olimpíada do Rio de 2016 foram manipuladas por árbitros e jurados "cúmplices e complacentes", revelou uma investigação independente encomendada pela Associação Internacional de Boxe (Aiba). A constatação é um duro golpe para a modalidade e ameaça ainda mais sua permanência nos Jogos. Existe forte pressão para que o boxe seja retirado e o próprio presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, já se mostrou favorável a isso.
Richard McLaren, chefe do trabalho feito a pedido da Aiba, disse em relatório que a primeira das três fases da investigação analisou a arbitragem e o julgamento no Rio, onde ocorreram decisões polêmicas em várias lutas. Mas respinga em Londres-2012 "As sementes disso foram plantadas anos antes, começando pelo menos desde os Jogos Olímpicos de 2000 até os eventos em torno de 2011 e Londres-2012", disse McLaren, em entrevista em Lausanne, na Suíça.
Não há um número final de quantas lutas poderiam ter sido afetadas. A investigação identificou "cerca de 11, talvez menos, e isso contando aqueles que sabemos que foram manipuladas, lutas problemáticas ou lutas suspeitas", disse McLaren, referindo-se à disputa por um lugar no pódio.
O relatório acrescentou que oficiais seniores da Aiba usaram seu poder para selecionar árbitros e juízes e transformaram a comissão, que deveria garantir que eles fossem designados de forma justa, em "um mero carimbo de borracha."
Segundo McLaren, os árbitros e jurados selecionados geralmente "sabiam o que estava acontecendo" ou então eram "incompetentes" e estavam dispostos a ignorar os sinais de manipulação, e os eventos classificatórios para a Olimpíada do Rio foram usados para filtrar árbitros e juízes honestos.
Árbitros e jurados foram informados sobre quem deveria vencer uma luta pela manhã antes de um dia de lutas na Olimpíada, inclusive em uma área "protegida de olhares indiscretos", continuou McLaren.
Durante a Olimpíada de 2016, dois resultados se destacaram: a derrota do irlandês Michael Conlan para o russo Vladimir Nikitin e a vitória do francês Tony Yoka sobre o britânico Joe Joyce. Depois que os juízes concederam a luta a Nikitin, Conlan mostrou-lhes o dedo médio e acusou a Rússia e a Aiba de corrupção.
A Aiba foi suspensa como órgão regulador olímpico do boxe em maio de 2019. A qualificação e a realização do torneio nos Jogos de Tóquio no verão foram organizadas por uma força-tarefa do Comitê Olímpico Internacional (COI).
A Aiba é liderada pelo empresário russo Umar Kremlev desde dezembro e diz que reformou a forma como as lutas são julgadas desde 2016, quando o ex-presidente Wu Ching-Kuo estava no comando. "A Aiba contratou o professor McLaren porque não temos nada a esconder", disse Kremlev em um comunicado. "Devemos agora examinar cuidadosamente o relatório e ver quais medidas são necessárias para garantir a justiça."
Nenhum dos árbitros ou jurados de 2016 estava em seus cargos para a Olimpíada deste ano em Tóquio, após todos terem sido suspensos pela Aiba.
Ameaça
Em fevereiro de 2018, Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional, ameaçou retirar o boxe dos Jogos Olímpicos. Motivo: a indicação para que o casaque Gafur Rakhimov assumisse a presidência da Aiba interinamente, após Wu ter sido afastado em dezembro de 2017 por má gestão financeira.
Apesar de nunca ter sido processado, Rakhimov é apontado como o líder de uma organização criminosa chamada de "Os Ladrões". Ele também tem seu nome em investigações por roubo, lavagem de dinheiro, extorsão, suborno e tráfico de armas.
Histórico
Os problemas envolvendo resultados em lutas de boxe no mundo olímpico são antigos. Em 1988, o norte-americano Roy Jones Jr. perdeu o ouro em Seul para sul-coreano Park Si-Hun por decisão dividida dos jurados: 3 a 2. Na contagem dos golpes após os três rounds, o americano somou 86 contra 32 do asiático, que, constrangido após o resultado, chegou a levantar o braço de Jones no pódio.
Em 1999, em Houston, Estados Unidos, o peso pesado cubano Felix Savón se recusou a disputar a final do Mundial por não concordar com vários veredictos em lutas anteriores de seus compatriotas. O tricampeão olímpico se dirigiu ao ringue, com a bandeira de seu país, mas apenas deu uma volta, cantando o hino cubano e deixou o ginásio.
Essas polêmicas fizeram a Aiba mudar várias vezes a forma de indicar um vencedor por pontos. No início, o sistema era o mesmo do profissional: dez pontos para o vencedor do round e nove ou menos para o perdedor. Depois, passaram a contar os golpes que efetivamente atingissem o adversário, mas o sistema também não agradou. Em Londres-2012, as notas dos jurados passaram a ser apresentadas ao final de cada round. Já em Tóquio, voltou a ser utilizado o sistema de dez pontos para o vencedor o assalto.