O agente patológico misterioso que vem causando um surto de pneumonia viral na China e em outras metrópoles do território, que também chegou a outros países da Ásia, já é responsável por seis mortes, número que vem avançando dia a dia, desde o primeiro registro da doença. Diante do estado de alerta sobre o risco de uma epidemia maior, a Organização Mundial da Saúde (OMS) convoca para uma reunião de emergência. Um grupo da entidade se reúne em Genebra nesta quarta-feira (22) para decidir se classifica o surto como "uma emergência de saúde pública de alcance internacional". O alerta é, em geral, deflagrado em caso de epidemias muito graves.
O prefeito da cidade de Wuhan (epicentro do novo coronavírus), Zhou Xianwang, corrigiu o balanço sobre a doença para 258 pessoas contaminadas apenas no município, entre as quais 227 seguem em tratamento.
A investigação das autoridades de saúde identificaram o mal como uma nova forma de coronavírus que provoca infecções respiratórias em seres humanos e animais e é transmitido através da tosse, espirros ou contato físico. Pelo canal de mídia estatal chinês CCTV, Zhong Nanshan, um dos principais especialistas em doenças infecciosas no país, confirmou a transmissão de pessoa para pessoa, o que preocupa pela possibilidade de uma rápida propagação, e em massa.
Zhong ajudou a avaliar a magnitude da epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Severa (SARS) entre 2002 e 2003 - a síndrome é similar ao novo vírus . Segundo a OMS, na ocasião, de um total de 8.096 casos, 774 morreram em todo mundo, sendo 349 na China continental, e 299 em Hong Kong.
Outras 922 pessoas estão em observação por suspeita de infecção por este coronavírus, de acordo com a Comissão Nacional de Saúde Chinesa. Sabe-se de ocorrências em outras partes da China: cinco em Pequim (norte), e 14 no Cantão (sul), em frente a Hong Kong. Também há sete casos suspeitos em Xangai, e quatro na província e nas regiões do leste, do sul e do sudoeste do país. Mais de um mês após o surgimento em um mercado na cidade de Wuhan, especializado no atacado de frutos do mar e peixes, foram relatados casos em três outros países asiáticos: Japão, Coreia do Sul e Tailândia.
Nesta terça-feira, a rede de TV australiana ABC informou que um homem que viajou recentemente para a China estava isolado em sua residência na cidade de Brisbane com sintomas da doença, enquanto os resultados dos testes são aguardados.
As autoridades de saúde das Filipinas também anunciaram que aguardam os resultados da análise de amostras enviadas para um laboratório na Austrália. Espera-se a confirmação do caso de um menino de cinco anos de idade que chegou ao país procedente da cidade chinesa de Wuhan. Ele apresenta sintomas da doença.
A situação preocupa as autoridades chinesas, já que esses dias em que o surto ocorre coincidem com o Ano Novo Lunar, época em que centenas de milhões de pessoas viajam para passar o feriado em família. O presidente chinês, Xi Jinping, disse que o novo vírus deve ser "absolutamente detido". "A segurança da vida das pessoas e sua saúde física devem ser prioridades", declarou à emissora estatal CCTV.
Mesmo diante da constatação de que o mercado de mariscos seja o centro do surto em Wuhan, foram identificados pacientes sem histórico de contato com esse centro comercial. Em um artigo publicado na última sexta-feira, cientistas do Centro MRC de Análise Global de Doenças Infecciosas do Imperial College de Londres alertaram que o número de casos provavelmente chegará a 1,7 mil, bem acima do anunciado oficialmente.
Na Coreia do Sul, o Centro Coreano de Controle e Prevenção de Doenças (KCDC) informou na segunda-feira que uma mulher chinesa de Wuhan, de 35 anos, testou positivo para o novo coronavírus. Essa mulher já teria ido a um hospital em Wuhan com sintomas semelhantes a um resfriado. Depois de receber medicação, embarcou em um avião para a cidade de Seul, onde aterrissou no aeroporto de Incheon. Foi imediatamente colocada em quarentena.
As autoridades de Hong Kong adotaram medidas de detecção, incluindo rigorosos pontos de controle de temperatura para viajantes que chegam da China continental. Já os Estados Unidos anunciaram na sexta-feira que vão monitorar os voos diretos que chegam de Wuhan aos aeroportos de São Francisco e ao JFK, de Nova York. Enquanto isso, a Tailândia informou que já está checando os passageiros que desembarcam em Bangcoc, Chiang Mai e Phuket e que, em breve, introduzirá controles semelhantes em Krabi.
Diante de um mundo globalizado, em que pessoas transitam todos os dias por diferentes países, não está eliminado o risco do vírus na China chegar ao Brasil, ainda que não seja possível mensurar em qual período de tempo isso poderia acontecer - depende da dimensão do problema na China e o grau de controle. É o que alerta o médico infectologista membro da Sociedade Mineira de Infectologia (SMI), Carlos Starling. "Não estamos imunes. O vírus pode chegar a qualquer outro lugar, como também pode chegar ao Brasil. O momento para que seja controlado é agora. Depois que o vírus se espalha, esse controle se torna muito mais difícil", explica.
O médico diz que este é um micro-organismo que causa problemas respiratórios graves, e já foi constatado em outros surtos pelo globo, como na Arábia Saudita. Pode ser transmitido como qualquer outro vírus respiratório. "Não é um vírus novo. A epidemia e a rapidez da dispersão é que são novos. Trata-se de uma infecção viral com um grande potencial de expansão rápida. Vivemos algo parecido em 2009, com a gripe suína, que teve início em fevereiro no México e, em seis meses, estava no mundo inteiro", lembra Carlos Starling.
Carlos Starling ensina que o cuidado básico para evitar o contágio é evitar ir para a região onde o surto acontece. E, para quem, por acaso, está retornando desses locais, o importante é ficar atento aos sinais de uma possível infecção respiratória grave, semelhantes aos de uma gripe, como tosse, febre, mal estar de início súbito, evoluindo para uma insuficiência respiratória. "Se, ao voltar dessa região, a pessoa apresentar esse quadro, é fundamental procurar assistência médica e informar que esteve nesses lugares", orienta o médico.
Outras medidas preventivas para evitar a contaminação com o coronavírus são as mesmas que devem ser tomadas em casos de síndromes respiratórias agudas: evitar lugares fechados e com muita gente, uso de máscaras, lavar e higienizar frequentemente as mãos, principalmente antes de consumir algum alimento e após tossir ou espirrar, utilizar lenço descartável para higiene nasal, cobrir nariz e boca quando espirrar ou tossir, evitar tocar mucosas de olhos, nariz e boca, não compartilhar objetos de uso pessoal, como talheres, pratos, copos ou garrafas, manter os ambientes bem ventilados, evitar contato próximo a pessoas que apresentem sinais ou sintomas de infecção respiratória. "Também manter um estado de vigilância, com atenção para o aparecimento de algum sinal de infecção", orienta Carlos Starling.
Febre hemorrágica faz vítima no Brasil
Enquanto isso, no Brasil, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso com morte de febre hemorrágica no país em 20 anos. Um morador de Sorocaba, em São Paulo, apresentou sintomas da doença em 30 de dezembro e faleceu no último 11 de janeiro. A patologia é provocada por contaminação pelo arenavírus, mas um novo vírus do gênero.
O homem, morador da Vila Carvalho, tinha 52 anos e sua identidade não foi divulgada. Segundo o Ministério da Saúde, assim que começou a manifestar os sinais da doença foi atendido em três hospitais (em Eldorado e Pariquera-Açu, no estado de São Paulo, e na capital paulista), e acabou morrendo por complicações no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFM-USP).
Em um primeiro momento, a suspeita foi de doenças como dengue, zika, febre amarela, leptospirose e hepatites virais, o que foi logo descartado. Conforme o ministério, o paciente esteve em Itapeva e Itaporanga, também no interior de São Paulo, lugares prováveis para a origem da infecção. Ele não tinha histórico de viagens internacionais. Entretanto, o motivo da contaminação não está claro.
Como o arenavírus pode ser transmitido de pessoa a pessoa, funcionários dos hospitais onde o homem esteve estão sendo monitorados e avaliados, assim como parentes. A transmissão pode acontecer por meio do contato com saliva, sangue, urina, fezes, vômito, sêmen e outras secreções e excreções. Por isso, recomenda-se o uso de equipamentos de proteção.
Autoridades tomam a situação como um evento de saúde pública grave, diante da raridade e da letalidade da doença. Ao todo, no Brasil, existem registros de apenas quatro casos do problema, três originados em ambiente silvestre no estado de São Paulo e outro por contágio em ambiente laboratorial no Pará. São ocorrências constatadas na década de 1990, o último em 1999.
O intervalo de incubação da doença é longo, geralmente entre sete e 21 dias. Entre os sintomas, febre, mal-estar, dores musculares, manchas vermelhas no corpo, dor de garganta, no estômago e atrás dos olhos, dor de cabeça, tonturas, sensibilidade à luz, constipação e sangramento de mucosas, como boca e nariz. Com o agravamento do quadro clínico, o sistema nervoso também pode ser afetado, com manifestação de sonolência, confusão mental, alteração de comportamento e convulsão.