Por EM
Enquanto o mundo vive a catástrofe causada pela pandemia do coronavírus, com os sérios impactos econômicos e a perda de mais de 1,5 milhão de vidas, uma luz no fim do túnel surge para transformar todo o pesadelo de quase um ano em sonho e esperança.
O aparecimento das vacinas contra a COVID-19 em tempo recorde – menos de um ano – é mais uma sinalização da expressiva vitória da ciência depois de dias de luta, hospitais em colapso e todo um planeta transtornado por uma doença que se mostrou silenciosa e avassaladora.
Nesse sentido, uma parcela expressiva da população mundial aguarda com ansiedade que as vacinas estejam o quanto antes no mercado para garantir os anticorpos e, ao mesmo tempo, retomar a vida normalmente.
Na semana passada, o Reino Unido deu um passo histórico ao iniciar a imunização da Pfizer nos grupos prioritários, como idosos, trabalhadores de casas de apoio e profissionais de saúde.
Aprovada por agências reguladoras britânicas, a vacina é armazenada em refrigeradores a -70oC e usa tecnologia revolucionária, chamada de RNA mensageiro, em que leva para o corpo humano uma cópia da parte do código genético do vírus. Através dele, o corpo passa a produzir uma proteína, cuja presença desencadeia a produção de anticorpos.
País com o segundo maior índice de casos e mortes no mundo, o Brasil aguarda com ansiedade a liberação das quatro vacinas em estudos de fase 3 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para dar início ao Programa Nacional de Imunização (PNI).
O governo brasileiro anunciou a compra de 160 milhões de doses da imunização desenvolvida em Oxford, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), das quais 100 milhões devem estar disponíveis no primeiro semestre de 2021.
Além disso, há um acordo com a Pfizer para a compra de outro lote de 70 milhões de doses, com 8,5 milhões à disposição provavelmente em março.
Diante do abalo da doença em todo o mundo, os países não mediram esforços em financiar as pesquisas para acelerar a produção das vacinas, fenômeno raro na história da ciência.
Estudos que demorariam pelo menos 10 anos para ser concluídos podem receber o registro depois de 10 meses. Nesse sentido, o avanço da tecnologia e o alto investimento do poder público são apontados por especialistas como fundamentais para a aceleração do processo.
“O pânico vivido pela população mundial e a repercussão imensa da doença, com grande cobertura da mídia, motivaram os governos a investir pesado na vacina. São mais de 100 candidatos a vacina sendo testados, algo sem precedente na história. Tem muito fluxo de dinheiro em pesquisa”, ressalta Fernando Bellíssimo Rodrigues, infectologista e professor da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto.
De acordo com o médico, cientistas de todo o mundo foram felizes ao se beneficiar de pesquisas já feitas anteriormente com o mesmo vírus (Sars-CoV-2): “Apesar de ser uma doença nova, o vírus é semelhante a outros coronavírus que a gente conhecia. Isso facilitou muito, porque já existiam vacinas preparadas contra o vírus que nunca foram testadas em campo porque a doença desapareceu. A gente já dominava a tecnologia de preparação de vacinas para vírus semelhantes”.
Validação
Uma vacina precisa, em média, de pelo menos 10 anos para passar pelas fases 1, 2 e 3 e ser devidamente registrada nos órgãos regulatórios. No Brasil, a Anvisa costuma demorar um ano para concluir a validação. Das vacinas que existem no mercado, a da caxumba, nos anos 1960, foi a que menos demorou para ser comercializada (em torno de quatro anos e meio).
Outras, como a da Aids, têm estudos feitos desde os anos 1980, mas até hoje as pesquisas foram insuficientes para se chegar ao produto. A vacina contra a poliomielite foi desenvolvida em 1961, depois de décadas de pesquisas.
Na visão do pesquisador e coordenador do Centro de Tecnologia de Vacinas, Flávio Guimarães da Fonseca, há um esforço grande na burocracia pela validação da imunização contra a COVID-19: “A flexibilização dos órgãos regulatórios foi fundamental. Na fase 3, uma vacina levaria dois ou três anos para ser concluída. O que está se permitindo agora é a liberação emergencial das vacinas através de uma exceção das agências reguladoras em virtude da emergência que vivemos. Se ela é segura? Certamente, ela está sendo testada em seres humanos e isso atesta a segurança dela.”
Apesar da rapidez na liberação das vacinas, os especialistas apontam que a eficácia pode não ser a mesma das demais.
“Foi uma surpresa que em tão curto tempo surgissem vacinas tão eficazes contra o coronavírus. Apesar de os resultados serem muito favoráveis, é preciso ter cautela, porque a vacina foi analisada precocemente. Quando você quer ter uma resposta induzida por uma vacina, ela tem de ter duração de 12 meses. E quanto a isso, temos que aguardar. Como ela teve eficácia muito alta, de 90% a 95%, acredito que ela se manterá eficaz, não sei se na mesma magnitude. Eles estão aceitando 50% no caso da pandemia”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia e pesquisador da Fiocruz, Ricardo Gazzinelli.
Papel político
A vacina contra COVID-19 poderia até surgir de forma mais rápida se não fossem alguns equívocos políticos listados pelo renomado pesquisador e epidemiologista Paulo Lotufo, da Universidade de São Paulo. Segundo o estudioso, Estados Unidos e Inglaterra, que por algum tempo foram o epicentro da pandemia, poderiam ter se esforçado mais para intensificar a descoberta da vacina.
“Vimos que vários erros foram cometidos por ambos. Se o Donald Trump tivesse se beneficiado do prestígio do Centro de Controle de Doenças de Atlanta para desenvolver uma imunização, ela poderia estar pronta. A OMS tem papel político forte, mas tem orçamento muito menor que o do CDC Atlanta, que são quatro prédios imensos, com pessoal de altíssimo nível. Poderiam trabalhar na vacina. O Boris Johnson, no Reino Unido, também fez bobagens. Na Inglaterra, eles achavam que haveria imunidade de rebanho, por achar que a pandemia terminaria naturalmente. Eles deixaram correr solto, não fizeram isolamento e deram péssimo exemplo. Poderiam ter sido um pouco mais conservadores”, afirma o professor.