Por Itasat
Até hoje, o preparador de máquinas Ricardo de Assis Pedra, de 49 anos, tenta limpar a casa. Mais de um mês depois de a residência onde ele mora ser invadida pela cheia do Rio Paraopeba, aquele que ficou poluído pelos rejeitos da barragem da Vale rompida em Brumadinho. Ricardo mora no bairro Colônia Santa Isabel, em Betim, na região metropolitana de BH, e o curso d’água fica a poucos metros dos fundos do imóvel.
Esta é a terceira vez que a casa dele fica inundada, mas é a primeira que, além da água, o rio também traz lama e um material que, pelas características, ele acredita ser minério. Um pó escuro e pesado, que tem dificultado a limpeza. “Foi uma lama escura, muito pesada de tirar, nós tiramos mais ou menos um caminhão e meio de lama e tinha muito minério. É minério, porque mesmo a gente lavando com muita dificuldade fica aquele pó preto presado e fica brilhoso também”, ressalta.
Ricardo diz que estima que teve um prejuízo de cerca de R$ 30 mil. E pior: ele afirma que, depois de entrar em contato com essa lama, passou a ter problemas de saúde. “Tem um mês que estou limpando a casa, estourou minhas paredes todas, acabou com meu imóvel. [...] Depois que eu entrei nessa lama aí eu estou tossindo muito, sentindo fadiga no coração, vou ter que procurar o médico para dar uma olhada.”
A situação é praticamente igual à do motorista Marcelo dos Santos Simões, de 54 anos, também morador do bairro Colônia Santa Isabel, em Betim. Assim como Ricardo, ele já teve a casa inundada antes, mas, dessa vez, percebeu uma diferença. “Esta de agora foi totalmente diferente, é um material escuro, um material preto, isso não é lama, isso é rejeito de minério. Você bate a água na parede e parece que isso entrou na parede e não sai ‘nem a pau’. Piso, tomada, está tudo com esse pó preto.”
Marcelo relata que também teve problemas de saúde depois de entrar em contato com a lama. “Já procurei um médico, comecei com remédios antidepressivos, ele me deu remédio para dormir, porque eu não estou conseguindo dormir, eu passo álcool todo dia porque coça pra caramba”, diz.
O motorista estima que teve um prejuízo de aproximadamente R$ 60 mil. “Bens materiais, eletrodomésticos, jogo de quarto tanto meu quanto dos meus filhos, utensílios domésticos, minhas plantas, perdi minhas ferramentas, tudo. Fora o psicológico da gente, que eu falo que dinheiro nenhum paga. Queria estar com minha casa arrumadinha como estava, eu chegava do serviço e estava tudo arrumadinho, tudo ajeitado. Quando eu entrei nessa casa, que eu olhei, parecia que um tsunami tinha passado.”
O que diz a Vale
A Itatiaia entrou em contato com a Vale, que mandou para a gente a mesma nota que já havia mandado na última terça-feira, quando esse mesmo assunto havia sido discutido por prefeitos e noticiamos. A mineradora afirma que desde 8 de janeiro atendeu a diversas solicitações do poder público de municípios da Bacia do Rio Paraopeba, forneceu veículos e equipamentos para auxiliar as autoridades nas medidas de apoio às comunidades afetadas. Segundo a empresa, todos os serviços solicitados e acordados com as prefeituras já foram executados.
Além disso, a Vale afirma ter entregue mais de 480 mil litros de água, cestas básicas, produtos de limpeza, higiene pessoal, colchões e equipamentos de proteção individual.
Essa nota da mineradora foi desmentida pelo prefeito de Betim, Vittorio Medioli, também na última terça.
Enviamos algumas perguntas à Vale, já que as versões dela são diferentes da do prefeito e dos moradores que entrevistamos. Fizemos os seguintes questionamentos:
A Vale afirma que “vem prestando todos os esclarecimentos relacionados a eventuais efeitos causados pelos alagamentos que possam ter relação com os impactos do rompimento da barragem em Brumadinho.” A que órgãos esses esclarecimentos têm sido dados? E qual o conteúdo desses esclarecimentos?
Perguntamos, também, se a Vale confirma que a lama de características diferentes que a inundação do Rio Paraopeba levou para algumas casas está com material da barragem rompida em Brumadinho e se já foi feita uma análise do material.
Questionamos, ainda, que se o prefeito de Betim, Vittorio Medioli, e os moradores entrevistados estão mentindo.
Por fim, perguntamos se a Vale considera que a ajuda que afirma ter enviado é suficiente para atender às necessidades dos moradores.
A mineradora não respondeu às perguntas e enviou um e-mail dizendo que não tem informações adicionais além da nota anterior.
Veja a nota da Vale na íntegra:
Desde o dia 8 de janeiro, a Vale atendeu a diversas solicitações do poder público de municípios da Bacia do Paraopeba, em caráter emergencial, voluntário e humanitário. A empresa forneceu veículos e equipamentos como caminhão, caminhão pipa e retroescavadeira para auxiliar as Defesas Civis e demais autoridades nas medidas de apoio às comunidades afetadas, apoiando os municípios de Brumadinho, Betim, Mário Campos, São Joaquim de Bicas e Pompéu. Todos os serviços solicitados e acordados com as prefeituras já foram executados.
Além disso, a Vale entregou no período emergencial, na bacia do Paraopeba, mais de 480 mil litros de água, além de cestas básicas, produtos de limpeza, higiene pessoal, colchões e EPIs. A companhia esclarece que mantém diálogo constante com o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) e vem prestando todos os esclarecimentos relacionados a eventuais efeitos causados pelos alagamentos que possam ter relação com os impactos do rompimento da barragem B1 em 2019.