Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), realizada com 2.702 adolescentes do nono ano em 119 escolas públicas e privadas da capital paulista, revelou que 29% deles relataram ter sido vítimas de bullying no ano passado e 23% afirmaram ter sido vítimas de violência. Além disso, 15% disseram ter cometido bullying e 19% ter cometido violência.
Os dados são do Projeto São Paulo para o Desenvolvimento Social de Crianças e Adolescentes (SP-Proso), coordenado pela professora Maria Fernanda Tourinho Peres, do Departamento de Medicina Preventiva da FM-USP, e Manuel Eisner, diretor do Violence Research Centre e professor da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Houve prevalência de vítimas por bullying e por violência entre adolescentes que declararam orientação não heterossexual e que disseram ter alguma deficiência. “Uma das características do bullying é exatamente se estruturar em torno de adolescentes que portam características que o colocam em uma posição de alvo vulnerável, pela posição social que ocupa, pela cor da pele, por características físicas ou pela orientação sexual”, explicou a professora.
“Isso dá um recado para as escolas da importância de se trabalhar esses aspectos relacionados à tolerância, a normas de conduta, ao respeito à diferença. Acho que atualmente reforçar a importância da escola na discussão desses aspectos é muito importante”, avaliou.
O relatório destaca três pontos: o primeiro é que os casos de bullying e violência entre adolescentes não são eventos raros; o segundo é que tanto o bullying quanto a violência são resultados de causas possíveis de serem identificadas; e, por último, o bullying e a violência podem ser evitados.
“O que a gente quer com esses dados, na medida em que os resultados fornecem um diagnóstico aprofundado do problema e apontam uma série de fatores de risco, fatores de proteção, que podem ser foco de intervenção, é que os nossos resultados sejam úteis exatamente para se pensar formas de intervenção de prevenção dessas situações nessa faixa etária”, afirmou Maria Fernanda.
Na pesquisa, houve diferenciação entre bullying e outros tipos de violência. “O bullying é um tipo de violência, mas que tem características muito específicas e uma delas é a repetição ao longo do tempo, são situações que se perpetuam no tempo de forma frequente e repetitiva, e que geralmente surge em uma relação entre pares, entre colegas, pessoas conhecidas da mesma escola”, disse a professora da USP.
Ela explicou que outra característica do bullying é que ele nasce e se estrutura em torno de relações onde há “um desequilíbrio de poder, em que um ocupa uma posição mais forte e o outro mais fraca. E essas posições podem girar em torno de características físicas, por exemplo, ou de personalidade”.
O que os pesquisadores classificaram como violência no estudo inclui outras situações que não têm tais características do bullying, como crianças vítimas de uma agressão física, de um assalto a mão armada, envolvimento em uma briga com ou sem uso de armas.
A ocorrência de bullying e violência foi associada pelo estudo a fatores como o aumento do uso de drogas depressoras – incluindo álcool e tabaco -, níveis elevados de ansiedade e depressão – chamados sintomas de internalização – e piora na saúde. Jovens que sofreram ou perpetraram violência severa nos últimos 12 meses avaliaram pior a sua saúde em relação ao restante dos entrevistados.
Do total de entrevistados, mais da metade dos adolescentes (59%) consumiram pelo menos uma droga depressora no último ano. O ato de beber compulsivamente ocorre em 28% da amostra, o que é considerado um índice alto pela pesquisadora. Ela avalia que esses dados demonstram um quadro de sofrimento nessa faixa etária.
“A gente viu que essa prevalência [consumo de drogas depressoras] é ainda maior entre os adolescentes que são vítimas de bullying e violência, tanto do consumo de álcool, quanto do consumo de cigarro e tabaco, o beber compulsivo e os sintomas de internalização, e também nos adolescentes que são agressores. Essa é uma mensagem muito importante também, porque a gente tende a olhar com maus olhos o adolescente agressor, mas ele tem uma carga de sofrimento também”, disse Peres.
Maria Helena defende a estruturação de ações muito próximas entre a escola e o setor de saúde para lidar com esses casos, além de “pensar em formas de prevenção do uso de álcool e drogas que se comuniquem bem com os adolescentes nessa faixa etária, que fujam de uma estratégia que seja condenatória no sentido de só apontar que é ilegal. É preciso, na sua opinião, encontrar formas de estabelecer uma entrada com essa população para trabalhar as questões”.
Em relação à escola, os pesquisadores observaram que quanto maior o compromisso e a legitimidade atribuídos à escola e quanto melhor a relação com os professores, menor é a frequência de perpetração e vitimização de bullying e violência. “Quanto maior a percepção dos alunos de um ambiente escolar negativo e com alta desordem, maior é o envolvimento dos adolescentes em situações de bullying e violência. Não só isso, encontramos uma proporção muito grande de adolescentes que têm essa percepção negativa do ambiente escolar, isso foi muito frequente”, alertou.
O primeiro passo para trabalhar os problemas de violência devem necessariamente incluir um resgate, uma reconstrução disso que a gente está chamando de ambiente escolar, até para que a escola possa desenvolver um programa específico para prevenção de bullying e violência. É preciso que os alunos reconheçam seus professores e a escola como um espaço positivo e que isso legitime ações e programas dentro da escola”, acrescentou a professora.
O envolvimento positivo dos pais esteve associado a níveis mais baixos de bullying, além do apoio social dos amigos e um ambiente escolar ordenado e não violento. “As práticas parentais positivas são aquelas em que os pais são acolhedores, têm uma relação próxima com seus filhos, desenvolvem atividades juntos, conhecem os amigos dos filhos, conseguem dar reforços positivos para seus filhos, colocar limites de forma clara. A gente encontrou que [essas práticas] têm efeito protetor [contra o bullying e a violência]”, disse Maria Helena..
Entre as práticas negativas estão o disciplinamento violento, incluindo uso de violência física, e baixo monitoramento parental, ou seja, pouco acompanhamento das atividades dos filhos. “Nessa faixa etária, é importante que eles tenham autonomia, mas ao mesmo tempo ainda precisam de supervisão”.