Por Itasat
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) criticou o atual chefe do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro (sem partido). Em entrevistal, FHC disse que o presidente “age por impulso” e que parece não haver no momento uma “condução competente do jogo institucional”.
“Ao invés de arbitrar, ele toma um lado e quer esmagar o outro. Para o país, é complicado. Este momento de pandemia requer o oposto, requer coesão”, disse.
Ele também considerou “insensata” a demissão do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, acredita haver um dilema vivido pelo atual chefe da pasta, Nelson Teich, e comentou a saída do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. “Vão se acumulando esses erros”, analisou.
Como o senhor vê a confusão política nesse momento de crise de saúde?
Você usou a expressão certa: é uma confusão. A crise econômica já vinha de antes. Eu acho até que o ministro [da Economia, Paulo] Guedes tentou equacionar, tomar algumas medidas. O presidente [Michel] Temer tentou fazer reformas, melhorar a situação. O ministro Guedes, que não tem a minha adesão, eu não penso da mesma maneira que ele, reconheço que ele pelo menos tem uma visão, uma certa consistência no que propõe.
Fora isso, há uma grande desorientação. Por exemplo: para quê tirar o ministro da Saúde no momento da pandemia? Eu não conheço o ministro atual e nem anterior, mas por que mexer numa peça que estava se comunicando com o país? É insensato. Por que tirar o ministro Moro (que pediu demissão alegando tentativa do presidente em interferir na Polícia Federal), símbolo de uma luta pela moralização da vida pública no Brasil? Para quê?
Vão se acumulando esses erros. O que já era difícil, a situação econômica, ainda mais atropelados todos por essa pandemia... Requer cuidado, condução competente do jogo institucional. Ao que parece, não está havendo.
Como o senhor analisa o modo de governar de Bolsonaro?
O presidente age mais por impulso. Eu nunca vi o presidente Bolsonaro na minha frente. Eu fui ministro da Fazenda, ministro das Relações Exteriores, presidente e nunca vi o [então] deputado Bolsonaro. Ele estava lá no Congresso, fazia seus discursos, às vezes bastante descabelado e tal, mas não tinha uma expressão política maior. De repente, com o nosso sistema eleitoral, ele aparece como se fosse o, aspas, “mito”.
Qual era o mito? O homem que ia barrar a esquerda, o comunismo que eles imaginavam, a nossa adesão à política de pacificação global e por aí vai. Ele foi eleito mais pelo lado negativo, pelo lado do que ia segurar, do que não ia fazer. Ele nunca disse muito o que ia fazer, a não ser vagamente.
Eu acho que na presidência é melhor você ter uma visão mais institucional. Embora tenhamos no Brasil uma tradição de divisão entre os Poderes, o Executivo precisa ser exercido com moderação, desde o tempo do Poder Moderador do imperador, que não era tão moderado assim, mas a teoria era de que haveria um Poder Moderador. Isso ficou um pouco na nossa cultura política.
Não se espera do presidente que ele acirre contradições, mas que ele amenize, que ele trate de expressar um caminho para o conjunto do país, não só para uma parcialidade. Quando você assume a presidência, tem que deixar de lado os seus interesses de facção, inclusive de partido. [Você] não deixa completamente, mas tem que prestar atenção no conjunto.
O presidente [Bolsonaro] não foi treinado assim. Ele é treinado pelos impulsos, não de um partido, mas dele mesmo e eventualmente de sua família, então entra em contradição. O país é grande, diverso, tem muitas concepções, interesses. Ele, ao invés de arbitrar, toma um lado e quer esmagar o outro. Isso pode dar certo para ele em certos momentos, mas no momento seguinte é mais difícil e, para o país, complicado. Este momento de pandemia requer o oposto, requer coesão.
O ministro [da Saúde] atual é médico e deve saber que só temos um recurso contra essa pandemia nesse momento: é ficar em casa. O ministro fica hesitando entre o saber dele como ministro e a posição do presidente, que é “vou ativar a economia”.
O caminho econômico que está sendo tomado é interessante para passar essa crise de uma forma mais amena?
O programa de ajuste fiscal está indo para o espaço, não porque se queira, mas porque o governo vai sair mais endividado do que nunca dessa crise. Porque vai ter que gastar dinheiro, e ele não tem dinheiro, vai fabricar dinheiro, vai aumentar a dívida. Não é decisão do governo, é imposto pela circunstância. E tem que ter uma visão de equilíbrio. Se você matar a economia e salvar as pessoas, elas vão morrer de fome. Tem que tentar salvar os dois: a economia e as pessoas.
A essa altura, o ministro Guedes já deve ter percebido que o sonho dele, como ex-aluno de [Universidade de] Chicago, que é de botar ordem fiscal, vai ser muito difícil, o que não quer dizer que ele deva abrir as comportas. Tem que fazer gastos dentro do possível, com previsibilidade da consequência desses gastos, e começar a desenhar um caminho de futuro, a despeito de que temos uma pandemia e de que temos de cuidar dela.
Como o senhor analisa a possibilidade de impeachment de Bolsonaro?
Eu nunca fui favorável a impeachment. Impeachment, a princípio, não é bom, porque é uma ruptura. Primeiro, eu não acho que seja conveniente. Segundo, eu não acho que seja objetivo fazer isso agora. Impeachment não se deseja, ele acontece. Se acontecer, a responsabilidade maior é de quem produz incessantemente fatos que levem a isso. Nesse momento, não é a oposição. Nem tem oposição organizada hoje. Nesse momento, é o governo, que está sozinho no palco.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal deveriam dar menos entrevistas?
Eu acho que seria mais prudente que os ministros do Supremo fossem como nos Estados Unidos, onde eles falam nos autos, não se transformam em personagens políticos. Não são eles que se transformam, a sociedade é que os transforma. Na medida em que você não tem outras forças que tem o mesmo protagonismo e em que a mídia cobre tudo, hoje alguns ministros são personagens da vida política brasileira.
Eu sou velho, preferia um pouco mais de moderação, mas essa moderação requer uma capacidade de os Poderes exercerem as suas competências, não só o Supremo. Quando não exercem, ele (o Supremo) exerce. É o que está acontecendo. Às vezes [o Supremo] pode exagerar, e eu acho que de vez em quando eles exageram. A mesma visão de que eu acho que o presidente tem que entender o seu papel simbólico, vale para todos os Poderes.
Quais serão as novas lideranças do Brasil no futuro próximo?
Um país do tamanho do nosso não vai deixar de produzir lideranças. Você tem dois, três, quatro governadores que aparecem, porque são capazes de tomar decisões que afetam o conjunto. São Paulo, Minas e Rio têm sempre peso, o do Rio Grande do Sul tem peso também. No Nordeste tem governadores que têm peso, de vários partidos, e existem lideranças novas que estão fora do jogo de partidos, o caso do [apresentador Luciano] Huck. Os movimentos de renovação parece que se dão fora dos partidos.
Eu acho que estão emergindo lideranças. Não sei ainda qual delas vai incorporar o sentimento necessário para a reconstrução da saúde pública, do Estado brasileiro, da nossa visão internacional. É cedo para saber quais desses que eu mencionei e de outros que eventualmente possam aparecer vão se transformar em símbolo do que é o pensamento da opinião pública.