Por Itasat
O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, aumentou a temperatura do debate político ao criticar a polarização do país e o que classificou como "usurpação das prerrogativas" do Executivo por parte de outros poderes. Em artigo publicado na quinta (14), no jornal O Estado de S. Paulo, sob o título "Limites e responsabilidades", Mourão disse que o estrago institucional está levando o Brasil "ao caos" e provocou reações de integrantes do Legislativo e do Judiciário, que veem falta de liderança no governo para superar a crise.
Nos bastidores do Planalto, ministros apoiaram a atitude do general, classificada como uma tentativa de pôr um freio de arrumação na turbulência política e econômica em um momento de esgarçamento das relações com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Fora dali, houve quem observasse, a portas fechadas, que o movimento de Mourão foi para demonstrar que os militares estão unidos, independentemente do presidente Jair Bolsonaro.
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, disse concordar com a necessidade de distensionar o ambiente político, mas ressalvou que o Planalto é "o grande colaborador" do acirramento. "O vice-presidente esqueceu de citar o governo federal. O resto ele citou tudo", afirmou Casagrande, em referência ao trecho do artigo no qual Mourão pede que "governadores, magistrados e legisladores" usem "de maneira responsável" o seu conhecimento. "Bolsonaro optou por um estilo de enfrentamento", resumiu.
No Supremo, magistrados ouvidos pelo Estado argumentaram que, se a Corte não tivesse concedido autonomia a governadores e prefeitos para a decretação de medidas de isolamento social no combate à pandemia do coronavírus, o quadro estaria muito pior.
Para o ministro do STF Marco Aurélio Mello, Mourão foi assertivo ao pregar o "princípio republicano" da independência e harmonia entre os Poderes. "O artigo versa o que venho preconizando há tempos no plenário do Supremo: a necessidade de se ter autocontenção, o minimalismo judicial e o máximo de eficácia da lei", afirmou Marco Aurélio, em sessão na Corte.
A frase de Mourão sobre a polarização do País foi interpretada por muitos como uma espécie de autocrítica, já que, no diagnóstico do vice, todos os protagonistas da crise se tornaram "incapazes do essencial para enfrentar qualquer problema: sentar à mesa, conversar e debater".
Na avaliação do ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, não há subterfúgios aí. "O sujeito oculto desse artigo é a falta de uma liderança nacional capaz de encaminhar a solução para a crise que estamos vivendo", argumentou Jungmann.
O presidente do Cidadania, Roberto Freire, disse que Mourão age para "respaldar" Bolsonaro, culpando os outros Poderes pela "desgraceira" vivida no Brasil. "É uma tentativa de justificar a escalada autoritária do governo", afirmou. "Agora, Bolsonaro editou a MP da Covardia e está pregando guerra contra governadores", emendou, em alusão à medida provisória que protege agentes públicos por atos tomados durante a pandemia.
Freire defendeu a construção de uma frente entre partidos para pedir a destituição de Bolsonaro. "Temos de buscar essa articulação para fazer o impeachment. O Congresso precisa instalar uma CPI. Não pode se omitir", insistiu.
O líder da Minoria no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou, por sua vez, que Mourão demonstrou capacidade de diálogo. "Ele fez uma sinalização para mostrar que, se for o caso, está preparado para construir um governo de transição", avaliou. Para Randolfe, o artigo do vice apresentou uma plataforma de governo. "É um programa mais calcado na realidade, para que o País possa passar pelo caminho mais seguro, até 2022".
Na outra ponta, a líder do PSL na Câmara, Joice Hasselmann (SP), lembrou que Mourão já foi vítima de ataques, nas redes sociais, por parte de apoiadores de Bolsonaro. "Mourão esqueceu quem é o presidente da República de propósito. Ele já foi vítima da gangue bolsonarista e do gabinete do ódio. Então, falou tudo no artigo. Espero que possa, em breve, fazer diferente de Bolsonaro", disse Joice.