Por Itasat
No dia 26 de março, já em plena pandemia, a Câmara dos Deputados aprovou o pagamento do auxílio emergencial a trabalhadores informais. Cinco dias depois, o Senado liberava a telemedicina para o atendimento de pacientes como mais uma medida de enfrentamento do novo coronavírus. Em comum, as duas iniciativas partiram do Legislativo, como 92% dos projetos relacionados à crise da covid-19 transformados em lei até agora.
O governo conseguiu aprovar no Congresso apenas um projeto de sua iniciativa – o que autorizou medidas como isolamento e dispensa de licitação em compras públicas enquanto durar a pandemia. A estratégia do Executivo tem sido a de enviar medidas provisórias (MPs), que entram em vigor assim que publicadas, mas precisam de aprovação do Legislativo para virar lei.
Ao todo, foram 49 MPs, mas apenas três tiveram o aval dos parlamentares – a que permitiu a redução de salários e jornada de trabalhadores do setor privado; a que cortou pela metade a contribuição das empresas para manutenção do Sistema S e a que ampliou o prazo para as companhias realizarem assembleias ordinárias. As demais, caso não aprovadas, perderão a validade antes do fim da crise.
Segundo o levantamento, feito por técnicos da Câmara, quase metade (41%) destas MPs editadas por Bolsonaro teve motivação econômica, como a liberação de crédito extra para ministérios ou alívio fiscal a algum setor. No entanto, as medidas de maior impacto partiram de iniciativas do Congresso.
Além do auxílio emergencial, é o caso da ajuda financeira de R$ 60 bilhões para Estados e municípios. O socorro foi aprovado após um vai e vem entre Câmara e Senado e sancionada no último minuto, com vetos, por Bolsonaro. “Na pandemia, ficou mais evidente, mas já não era diferente antes. Um Congresso formulador e ágil diante de um governo confuso que só ‘pega no tranco’”, disse o relator do projeto na Câmara, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ).
Apenas 21% dos projetos votados em 2019 tiveram como autor o Poder Executivo. Em tese, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado e os líderes partidários têm autonomia para escolher o que é ou não votado. Na prática, porém, o Poder Executivo costuma impor sua agenda.
Os números mostram que Bolsonaro tem minimizado a pandemia não apenas no discurso. Na mesma semana em que os deputados criavam o auxílio a informais, o presidente tratou a doença como “histeria”, acusou a imprensa de espalhar “a sensação de pavor” e chamou a doença de “gripezinha”.
Enquanto o Congresso aprovava medidas como a que autoriza restaurantes, supermercados e outros estabelecimentos a doar excedente de alimentos durante a crise, na lista de prioridades do governo estavam medidas sem relação com a covid-19. No último dia 24, deputados aprovaram texto enviado pelo Executivo que aumenta o prazo de validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e amplia o número de infrações que precisam ser cometidas para que motoristas tenham o documento suspenso. A proposta era uma promessa de Bolsonaro desde a campanha eleitoral.
Relevância
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), vê no alto índice de projetos aprovados com origem no Legislativo um sinal de que deputados e senadores estão “ouvindo a sociedade”. “O levantamento mostra o papel importante e relevante que o parlamento tem”, afirmou.
Para o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), os dados acabam com a “falsa narrativa do presidente Jair Bolsonaro de que o Congresso não está deixando ele governar”. “Fica claro que a principais medidas contra a pandemia foram tomadas pelo Parlamento. Bolsonaro não governa porque não quer”, disse o parlamentar.
‘Competências’
O Palácio do Planalto informou, em nota, desconhecer o levantamento feito pela Câmara, e citou outras medidas, como portarias, decretos e instruções normativas, que regulamentam ou complementam leis aprovadas no Parlamento.
“No estado democrático de direito, cabe ao Poder Executivo executar as leis e cabe ao Poder Legislativo elaborar as leis. Além disso, em um sistema de freios e contrapesos, o princípio da separação dos poderes busca limitar as competências, impedindo que um Poder se sobreponha a outro”, afirmou a Secretaria-Geral da Presidência.