Por Itasat
Belo Horizonte chega aos 123 anos neste sábado pagando um preço elevado, e até com vidas, por ter sido planejada sem considerar suas bacias hidrográficas e por priorizar o crescimento urbano em detrimento do meio ambiente. O resultado desse processo histórico de pavimentação e canalização de rios, iniciado na década de 1950, é uma cidade que sucumbiu às enchentes. Buscar soluções para amenizar o problema é dos principais desafios para a atual e as próximas gestões à frente do Executivo municipal.
Belo Horizonte tem importantes bacias hidrográficas (regiões para a qual as águas escoam e vão parar nos leitos de seus rios). São elas Ribeirão Arrudas, Ribeirão Onça/Izidora e Córrego do Borges/Espia. Além de desconsiderar em seu planejamento a importância dessas regiões, a capital mineira sofre, aos longos dos anos, com a ocupação de encostas, o que potencializa o problema, com explica o geólogo e pós-doutorado em Paleoclimatologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Augusto Auler.
“À medida que a cidade foi expandindo, ela foi sendo naturalmente impermeabilizada. Ou seja, a água de chuva, ao invés de se infiltrar verticalmente em situações locais de jardins, de florestas, bate no asfalto, no cimento e escorre em direção a dispositivos de escoamento. Então, essa dificuldade de impermeabilização faz com que haja uma concentração muito grande de drenagem. Quantidades enormes de água fluem através de ruas e avenidas em direção a esses dispositivos como bocas-de-lobo, que muitas vezes não estão adequadas para suportar tamanho volume de água. Esse é um dos elementos que causa enchente em alguns pontos tradicionais de Belo Horizonte”, explicou.
O geólogo ressalta que os canais de drenagem que atualmente comportam os córregos da capital estão subdimensionados: “E aí, a gente entra com um elemento muito importante, que é a questão das mudanças climáticas. O aquecimento global tem feito com que os eventos pluviométricos, os eventos de chuva, sejam de uma intensidade maior. Não quero dizer que ao longo do ano vai chover mais, mas que aqueles eventos de chuvas vão ser mais intensos, são as chamadas chuva-bomba, chuvas de um volume gigantesco e que nenhuma cidade do mundo está preparada para suportar”, disse. Um exemplo é a chuva registrada em janeiro deste ano, considerada a mais severa da história cidade.
Ao logo do tempo, a capital viu seu Belo Horizonte dar lugar a ocupações irregulares, construções faraônicas e outras atividades, como a mineração.Aliado aos fatores naturais, o crescimento desordenado impacta na questão dos alagamentos, diz o geólogo.
“Hoje em dia praticamente todos os morros de Belo Horizonte, em parte das áreas que antes eram áreas verdes, estão ocupados. A gente tem alguns resquícios, Parque Municipal e alguns parques espalhados pela cidade, mas o montante total de áreas em que pode haver infiltração vertical no solo diminuiu muito ao longo os anos”, diz . “Certamente, a ocupação desordenada tem um papel importante ao diminuir a infiltração e, à medida que você ocupa de forma desordenada, você não constrói sistema eficientes. Isso é um fator adicional também”, completou.
Para o geólogo, trata-se de um caminho sem volta, especialmente considerando as mudanças climáticas que potencializam as chuvas e outros eventos naturais. “As cidades simplesmente não estão preparadas esses grandes eventos pluviométricos. Elas teriam que ter um sistema de drenagem adaptado a isso. E simplesmente não há tempo”, disse.“Não tem como a gente abrir todas avenidas, como Prudente de Morais, Professor Morais, Afonso Pena e simplesmente fazer uma obra de engenharia ao mesmo tempo. Então, seriam soluções de longo prazo”, diz.
O descarte correto do lixo por parte da população, o aumento de áreas de infiltração e a adequação paulatina do sistema de escoamento são algumas medidas sugeridas por ele.
“Então, é a questão de adaptação, de resiliência. A gente tem que construir sistemas que se adequem a essa nova situação, de expansão demográfica, de aumento de fluxo de veículos e, ao mesmo tempo, de aumento da quantidade de água que passa pelo sistema de drenagem da cidade. Então, o processo em si, vejo com irreversível. A gente não tem como, novamente, fazer com que os rios voltem a sua condição original, porque a cidade já está aí. Mas a gente tem como trabalhar em um planejamento de médio e longo prazo, para minimizar e para que a cidade se adapte a esse novo cenário”, concluiu.