Relatório do programa Mães em Cárcere da Defensoria Pública do estado de São Paulo, divulgado hoje (6), revelou que a maioria das mulheres em prisão domiciliar cumprem as condições impostas pela Justiça e não tem conduta que as faça voltar a cumprir pena em regime fechado.
“Conclusões importantes que a gente pode tirar é que a maioria dessas mulheres que cumprem prisão domiciliar, elas trabalham ou estudam, elas não cometem faltas disciplinares, nem deixam de cumprir algumas das condições impostas e a maioria não regride para o regime fechado”, disse a defensora do Núcleo Especializado da Infância e Juventude Ana Carolina Schwan.
Apesar desse resultado, pesquisa do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) mostrou que os dispositivos previstos em lei não estão sendo aplicados às mulheres que teriam direito à prisão domiciliar, conforme descrito no Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), que ampliou as possibilidades dessa modelo de prisão para mulheres presas provisoriamente quando gestantes, mães de crianças com até 12 anos, ou cujos filhos sejam portadores de deficiência.
Para a pesquisadora do ITTC, Irene Maestro, existe uma forte resistência do judiciário em aplicar a prisão domiciliar. Segundo ela, nas audiências de custódia, 83% das mulheres que eram potenciais beneficiárias tiveram o direito negado. No curso do processo, enquanto elas estavam presas no Centro de Detenção Provisória de Franco da Rocha, 80% das potenciais beneficiárias não conseguiram a prisão domiciliar.
No ano passado, mais de 3,1 mil mulheres foram atendidas dentro do programa. Desde 2015, quando começou a existir, o Mães em Cárcere já atendeu mais de 15 mil mulheres. Em 2015 foram 2,5 mil mulheres atendidas. O programa busca garantir os direitos da mãe no sistema prisional e o exercício da maternidade, além do direito à convivência familiar de seus filhos. Esta é uma política voltada para toda mulher que está encarcerada e que tem um filho até 18 anos ou maior de 18 com alguma deficiência.
“É importante dizer que Mães em Cárcere é uma política única no país, é a única defensoria que tem uma política institucional voltada para esse público. É um público que tem o número de direitos violados muito grande. É um público que carecia de uma atenção especial”, disse a defensora Ana Carolina Schwan sobre a motivação para surgimento desta política institucional.
Segundo a defensora, uma das formas de atuação da política para essas mães é fazer com que elas tenham o direito da prisão domiciliar reconhecido, no caso de gestantes ou de mulheres com filhos até 12 anos, conforme garante o Marco Legal da Infância e reforça o Habeas Corpus Coletivo nº 143.641.
Aquelas que tenham filho entre 12 e 18 anos, podem ser atendidas de outras formas. “Por exemplo, vendo se ela tem algum direito a um regime menos grave ou a algum benefício de liberdade condicional; se o direito dela e da criança de visita está sendo observado; para verificar a questão se o filho está sendo cuidado por quem ela indicou; fazer a defesa dela no processo de destituição do poder familiar ou de acolhimento institucional, que é quando o filho dela está no abrigo”.
Segundo dados do relatório, entre as mulheres atendidas pela política da Defensoria, 57% são negras (46% se declararam pardas e 11% pretas). “Essa é uma característica não só das mulheres encarceradas, mas é uma representação da população carcerária como um todo. Para a gente, isso identifica uma questão que é muito clara com relação ao sistema carcerário que é a seletividade na punição estatal”, disse Ana Carolina.
Ana Carolina afirma que alguns dos obstáculos enfrentados pelas mães encarceradas é que o sistema carcerário é voltado ao público masculino – faltam até absorventes para as mulheres -, além da presunção de incapacidade dessas mulheres de exercício da maternidade apenas pelo fato de elas estarem cumprindo uma pena.
“O grande desafio é a gente quebrar essa presunção [de incapacidade], ultrapassar essa presunção de que, simplesmente pelo fato de estar presa, ela não pode exercer a sua maternidade. Tanto que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece que é um direito da criança visitar os pais, ter convivência com eles, ainda que eles estejam presos”, disse a defensora.
Entre os avanços conquistados pela Defensoria, a partir do programa, Ana Carolina citou o fortalecimento da atuação em defesa dessas mulheres e diversos casos em que os defensores conseguiram garantir a convivência familiar entre mãe e filho. “No final do ano passado, o juiz determinou que assim que a criança nascesse a mãe [que estava grávida e encarcerada] não poderia ter nenhum contato com ela, a criança deveria ser encaminhada para o acolhimento”. A decisão foi revertida, a criança nasceu e pode permanecer com a mãe.
Em outro episódio, uma criança de sete dias estava com a mãe na penitenciária e o juiz determinou que ela fosse para o acolhimento em razão de um suposto risco que a mãe ofereceria para o filho. “Foi comprovado no caso que o simples fato de a mãe estar presa não era um risco para a criança”. Além disso, pelos benefícios da amamentação, que é um direito da mãe e da criança, foi decidido que era melhor para a criança ficar o período de seis meses - que é previsto em lei - junto com a mãe.
“O Tribunal de Justiça de São Paulo garantiu o direito: determinou que essas crianças voltassem para o convício com a mãe dentro da penitenciária. Foram dois casos emblemáticos no final do ano passado e que foram em razão da política do Mães em Cárcere”, explicou.