Foto: DANIEL IGLESIAS
“Dizem que a Tetê é uma santa, que faz milagre e coisa e tal. Mas milagre mesmo, minha santa, é Beagá ter Carnaval”. Parece que foi ontem, mas já faz dez anos. Se antes Belo Horizonte era o verdadeiro túmulo carnavalesco e ressuscitava após quatro dias, em dez anos, a capital mineira tornou-se uma das referências das novas festas de rua no Brasil. Em 2020, a folia vai durar quase um mês, começando oficialmente neste sábado (8), com término só no dia 1° de março. Com tantos dias de festa pela frente, os blocos já começam a se aquecer e tomam conta das ruas da capital comemorando uma década de desfiles e muita alegria. A expectativa é que, neste ano, 5 milhões de foliões tomem as ruas de BH.
O milagre do Carnaval belo-horizontino, como já cantava o Bloco da Tetê, a Santa, começou tímido, em 2009, quando, certo dia, o bloco Tico Tico Serra Copo desceu do alto do Serra em direção ao centro. No mesmo ano, o Peixoto repetiu o feito no bairro Santa Efigênia, na região Leste da capital, ao som de marchinhas. Se na época o desejo era ocupar a cidade, os anos que se seguiram assistiram a um crescimento exponencial dos blocos e do número de foliões. O que antes acontecia entre um grupo pequeno de amigos, hoje atrai multidões.
De acordo com o publicitário Fidelis Alcantra, um dos marcos do Carnaval na cidade foi o ano de 2010, quando movimentos de ocupação do espaço público começaram a se manifestar de forma lúdica contra ações da gestão municipal. A principal queixa se relacionava com o Decreto Municipal, assinado pelo então prefeito Marcio Lacerda, que proibia a realização de eventos de qualquer natureza na praça da Estação, no centro. A reação veio na forma do evento Praia da Estação. O decreto foi revogado posteriormente. Até lá, a mobilização já tinha virado Carnaval.
“Esses movimentos foram surgindo para ocupar a cidade, trazer vida. Em 2010, foram nove blocos. Em 2011, foram 20. Já em 2013, eram, aproximadamente, 45 blocos. Fomos crescendo e lutando com o poder público, que queria barrar a festa. Tivemos que provar que não era vandalismo e balbúrdia”, destacou Alcantra, um dos fundadores do bloco.
Grandes blocos miram o futuro
Vestidos de saias brancas e turbantes na cabeça, eles arrastaram no últimos anos mais de 500 mil foliões na avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte. O primeiro desfile aconteceu em 2012, cantando clássicos do axé. Mas, passada quase uma década de história, para o cantor e fundador do Baianas Ozadas, Geo Cardoso, falta profissionalismo no Carnaval da cidade. O cenário para ele é desanimador.
“Percebemos que a preocupação é mais quantitativa do que qualitativa. O Carnaval de BH é de rua, mas o que vemos é uma dificuldade da gestão em apoiar. Parece que querem números. Não há apoio. O recurso para grandes blocos é de R$ 12 mil. Para as escolas de samba são quase R$ 200 mil. O Carnaval cresceu, mas a gestão não acompanhou”, criticou.
Criado para homenagear dois grandes ídolos nacionais: Jorge Ben Jor e Tim Maia, o Chama o Síndico nasceu em 2012 e dava início extraoficial à folia belo-horizontina. “Para a gente, o que importa é mobilizar os diferentes tipos de pessoas e que todos se divirtam”, afirmou um dos integrantes, Matheus Rocha.
Diversidade e novidade na folia
A cada ano que passa, o Carnaval de Belo Horizonte vai ficando maior. Se, por um lado, isso pode tornar as coisas um pouco mais bagunçadas, por outro, o espaço para a diversidade se amplia também. Com isso, tem bloco para todos os gostos, da tradicional marchinha e do axé a ritmos menos associados à folia, como rock, sertanejo e até forró. Tem bloco com posicionamento político, bloco saudosista e bloco temático.
Segundo a Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur), só neste ano, 133 blocos vão estrear na folia. A expectativa é que o número de blocos salte de 410 para 450 em comparação ao ano passado. Ao todo, são esperados 520 desfiles.
Novatos
Saindo da zona Sul e indo para a periferia, entre os estreantes da festa está o Baile da Serra. O famoso baile funk, que acontece todo mês em um dos maiores aglomerados da capital há 16 anos, pretende desfilar neste ano em formato de cortejo em oito vilas. O desfile vai acontecer na terça-feira de Carnaval, saindo da praça do Cardoso e seguindo até a praça de Esportes do Cafezal. “Queremos trazer essa cultura para dentro da comunidade e que as pessoas de fora também venham e conheçam. É tornar tudo uma coisa só e diminuir o preconceito. Carnaval não só para a zona Sul. Porque temos que sair daqui para curtir Carnaval longe, sendo que, aqui, nós temos nossos artistas?”, indaga uma das fundadoras do bloco Cristina Pereira.
Pensando em como podemos ser foliões mais conscientes, o Bloco dos Verdes desfila no sábado, dia 22, no parque Municipal, às 10h. Ao som de marchinhas, o cortejo, formado por ambientalistas, vai plantar mudas pela cidade. “No Carnaval, tem espaços para todos. Mas, para além disso, é preciso ter cuidado, estar atento, principalmente à quantidade de lixo que produzimos. A ideia é conscientizar as pessoas”, afirma um dos fundadores, Marcelo Silverio.
Minientrevista
Gilberto Castro
Presidente da Empresa de Turismo de Belo Horizonte (Belotur)
Em quase dez anos do ressurgimento do Carnaval de rua em BH, quais continuam sendo os desafios para a prefeitura?
Um dos desafio permanente são os banheiros químicos. Neste ano, vão ser, em média, de 15mil a 16 mil banheiros por dia. O segredo não é aumentar o número de banheiros, posso buscar banheiro até no Amapá e em grandes cidades que também têm Carnaval. A ideia é pensar na logística de distribuição. Não tem como ter banheiro do início ao fim do bloco. Temos que ter locais que vão ter banheiros fixos que o folião vai saber que ali ele pode encontrar o banheiro sempre que precisar. Além disso, temos a questão da conscientização da população. O morador também precisa entender que Carnaval é um evento que faz parte da cidade. Muda a logística mesmo, não é só achar que você pode ir à padaria às 16h como se fosse um dia comum. As grandes cidades já estão acostumadas a isso. Temos que nos adaptar também.
Os grandes blocos do Carnaval de rua de Belo Horizonte reclamam de falta de verba e apoio da prefeitura, que muitas vezes prioriza escolas de samba, que têm menos apelo para a população. Qual é a estratégia da prefeitura?
É uma visão pontual deles. Não trabalhamos para ser o maior Carnaval, e sim o melhor. Foram R$ 800 mil destinados aos blocos, sendo que os grandes blocos podem receber até R$ 12 mil. As escolas de samba recebem R$ 200 mil, mas gastamos muito mais com os blocos, porque tem toda uma estrutura por trás deles que quem organiza é a prefeitura. São banheiros, segurança e ambulâncias. Aproximadamente 40% do Orçamento vai para os blocos, muito menos vai para as escolas. Importante lembrar que Belo Horizonte chegou a ter o maior Carnaval de passarela do país, sempre existiu. É preciso entender que cabe à prefeitura apoiar os blocos, não sustentá-los.