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Aposentadoria justa

Com doença grave, professora da UFMG aciona Justiça para rever aposentadoria de um salário mínimo

Após contrair zika enquanto trabalhava em Montes Claros, matemática de 48 anos desenvolveu síndrome de Guillain-Barré e hemiparesia. No entanto, segundo ela, readaptação foi negada e ela foi aposentada por "doença não prevista em lei"

11/12/2019 14h12
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Uma professora aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vive um drama há quatro anos. Vítima do zika vírus e diagnosticada com síndrome de Guillain-Barré e hemiparesia, doenças que afetam a mobilidade, tenta reverter a decisão que a levou a ser afastada do trabalho por invalidez recebendo um salário mínimo e sem isenção dos impostos federais. Recentemente, ela entrou com um pedido para nova perícia para comprovar que a doença que a atinge é prevista em lei, mas ela reclama que a universidade não faz o agendamento do novo exame

Moradora de Belo Horizonte, a matemática Miriam Cristina Pontello Barbosa Lima tem 48 anos. Concursada, com doutorado e mestrado, ela começou a trabalhar na instituição em 2012, dando aulas de cálculo e geometria analítica nos cursos de engenharia agrícola ambiental, engenharia de alimentos, administração, agronomia e zootecnia no Instituto de Ciências Agrárias (ICA) da UFMG, em Montes Claros, Norte de Minas Gerais. 
 
Foi lá, em 2016, que ela contraiu o zika vírus, transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti. Na época, outros professores também foram vítimas da doença, mas o caso dela acabou evoluindo para a síndrome de Guillain-Barré, uma complicação neurológica que, segundo o Ministério da Saúde, faz com que o sistema imunológico ataque o sistema nervoso, gerando fraqueza muscular, dor e redução ou ausência de reflexos. Ela também manifestou hemiparesia, um tipo de paralisia que afeta um dos lados do corpo. 
 
O quadro acabou levando à deficiência física. Hoje, ela se movimenta com a ajuda de uma bengala, mas já chegou a ficar de cama. Miriam conta que as consequências do zika em adultos ainda são pouco exploradas e, por conta disso, ela precisou procurar tratamento com um especialista no Rio de Janeiro. “O zika atingiu meus órgãos internos, deglutição, controle urinário, força para respirar e tudo mais. Fora acometimentos dos nervos periféricos, fraqueza muscular. Vou ter que usar um carro adaptado”, contou.
Caro, o tratamento começou ainda em 2016. Toda semana ela precisa fazer fisioterapia e passar por uma clínica da dor. Um dos medicamentos que usa vêm da Alemanha e é adquirido graças a uma solicitação feita à Defensoria Pública de Minas Gerais, que conseguiu uma sentença na Justiça autorizando o estado a pagar o produto. Miriam ainda é mãe de duas filhas de 11 e 21 anos. Esta última, está cursando medicina. 
 
“A universidade sequer permitiu a minha tentativa de readaptação funcional antes de ser aposentada”, contou à reportagem do Estado de Minas na manhã desta quarta-feira. Nesse processo, enquanto pessoa com deficiência, Miriam poderia ministrar aulas à distância ou exercer outras funções na UFMG conforme suas possibilidades. “Eu fui pedir à reitoria uma chance de não ser aposentada, mas ser readaptada, é uma universidade pública que defende espaço para todos. Mas, ouvi dessa reitoria que eles não podiam fazer nada e o que eu quisesse requerer, que fosse para a Justiça”. Ela citou casos de dois professores que foram readaptados por diferentes problemas de saúde, um deles também com paralisia grave. “A reitoria não me deu essa chance. Falavam que era uma doença rara, porque o zika vírus entrou no Brasil em 2013 e era uma doença nova. Nem assim eles aceitaram essa readaptação. Me aposentaram por doença não prevista em lei”, contou. 
 
A aposentadoria da professora foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 20 de fevereiro deste ano. Conforme a portaria, ela foi aposentada do cargo de professora-adjunta por invalidez. 
 
No entanto, após consultar a Receita Federal e o Manual de Perícia do Servidor Público Federal, Miriam descobriu que seu problema de saúde se enquadra na equiparação com “paralisia incapacitante e irreversível”, que consta na lei. Assim, ela também tem direito a isenção dos impostos federais. Hoje, ela conseguiu a isenção estadual e municipal, o que pode ajudar no processo de aquirir um veículo adaptado. 
 
“Estive na Receita Federal com laudos médicos e papéis do SUS (Sistema Único de Saúde), tive que requerer na UFMG, pedi isenção por ofício e anexei esse manual deles. Eles não marcam minha perícia porque ficaram em xeque-mate. Porque se falarem que sim (para o quadro de saúde), por que não fizeram desde a primeira hora? Os prejuízos emocionais, sociais e financeiros gerados a mim e minhas filhas são irreparáveis, não dá pra mencionar”, diz. Além da isenção dos impostos federais, Miriam também pede a equiparação salarial. No entanto, segundo ela, a solicitação foi feita em 20 de novembro e até o momento a perícia não foi agendada. 
 
A matemática também afirma que o Departamento de Atenção à Saúde do Trabalhador (DAST) da UFMG teria tentando oferecer a perícia no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), mas é preciso que ela faça o procedimento na instituição onde trabalhava, como reforçou o advogado Marcelo Barroso, que a representa. “Ela fez um novo pedido de perícia porque a inicial não analisou a situação dela conforme o protocolo que eles devem seguir na própria UFMG e agora querem que a perícia seja feita por outra unidade. A perícia deve ser feita na mesma, para verificar. Entramos com uma ação judicial na qual pedimos que a situação dela seja reavaliada para aposentadoria integral ou readaptação”, explica o defensor. 
 
Miriam disse à reportagem que precisou vender o carro, cancelar a formatura da filha mais velha, cursos que as duas meninas faziam, além de outras despesas. Ela também recebe doações. “A situação só não é mais grave porque a previdência complementar assumiu. O pior de tudo isso é que é uma doença nova, uma situação completamente desconhecida da medicina em geral e em vez de dar um tratamento adequado, resolveram negar por conservadorismo. Não é assim. Estão lidando com pessoas, e é uma doença que realmente a incapacita. E um detalhe importante:  ela adquiriu essa doença no trabalho”, pontuou o advogado da professora. Miriam também está trabalhando em uma denúncia ao Ministério Público Federal sobre a situação. 
 
A reportagem da Folha entrou em contato com a UFMG e aguarda resposta.