Com ênfase na co-criação, na auto-criatividade e na sustentabilidade, o Galo da Madrugada será “fashion”, enfatiza Leopoldo Nóbrega, que se autodefine artista plástico, cenógrafo, designer e estilista. “Gosto de ter pessoas junto para criar”, afirma. Por esse motivo, a escultura é um trabalho coletivo. O “Galo Circense De Olho no Futuro” - diferentemente do “Galo Artesão” do ano passado - está conectado com os conceitos da tecnologia, mas dialogando com meias lurex e técnicas metálicas dos anos 80 e as influências dos 60.
Cam 28 m de altura - 8 a mais do que no ano passado, e pesando oito toneladas, o Galo de 2020 não pretende ser apenas um trabalho decorativo, mas tem o desafio de se tornar uma obra-conceito e uma criação coletiva. Pessoas de três países - Estados Unidos, Índia Canadá - desenvolveram oficinas para trabalhar digitalmente a escultura à distância e, crianças também produziram obras em vinil que terão emissão através do LED para a estrutura depois de montada. Ele ainda conta com a mão de obra de 30 artesãos.
“Teremos uma pele do Galo feita com 700 discos de vinil, 400 deles no corpo digital”, explica Nóbrega. Como na escultura do ano passado, a base do trabalho do artista são os resíduos. No corpo são utilizados discos pintados a mão, no rabo, plástico e adornos holográficos, no pescoço, tela de construção de obra, nas asas, couro, e nas pernas, tecidos ecológicos, os mesmos empregados na criação de suas roupas. “Cada material tem um propósito diferente. Os discos, por exemplo, contam uma história”, enfatiza.
A estrutura terá 36 placas de LED. “O efeito será brilhante”, explica o artista. Os LEDs estarão espalhados pelo corpo da escultura, na gola e no contorno do rabo. “É uma boa matéria-prima, porque possibilita criar mobilidade cenográfica”, acrescenta. Como todo trabalho artesanal, feito a mão, com várias peças, o Galo é um grande quebra-cabeças. São 26 partes para serem montadas, e o trabalho só é concluído no dia do desfile. O desafio daqui para frente, segundo Nóbrega, é não deixar o Galo acabar na quarta-feira de cinzas.
Se o Galo de 2019 era humanizado e tinha o desejo de se aproximar da realidade, o de 2020 tem inspiração circense, harmonizando-se com a decoração tematica da cidade. “Sendo assim, o Galo é um novo mágico, projeta sonhos e quer se interagir com as pessoas.Ele é quase um Pierrot, uma op art, que homenageia J. Borges”, comenta Nóbrega. José Francisco Borges é um conhecido gravurista da literatura de cordel - por esse motivo, a ponta do rabo do galo é preto-e-branca. A concepção da obra demorou, pelo menos, seis meses, e a montagem, mais 30 dias.
O espaço cultural Arte Plenna, onde Leopoldo Nóbrega trabalha e promove oficinas e exposições, é quase um labirinto: tem uma seleção de suas obras, uma pequena sala com suas roupas ecológicas, sustentáveis, e até uma linha de louças com a marca do Galo. A mãe, Carmo Xavier, - também artista plástica, inspirada em ceramistas da região faz pinturas com argila - é uma influência no trabalho do filho. Ela é que sugeriu a metodologia para desenvolver o trabalho do Galo.
Como já fez curso técnico em química e trabalha com cerâmica, moda e cenografia, Nóbrega tem inspirações diversas para a confecção do galo gigante. A ideia é mesmo integrar os vários segmentos do Estado, como moda, artesanato, tecnologia e design. No ano passado, por exemplo, o Galo Artesão utilizou sobras das indústrias do polo de confecção Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe, municípios do Agreste do Estado. Há, também, a colaboração com os carnavalescos da Bomba do Hemetério, bairro da Zona Norte do Recife, além dos responsáveis pela estrutura de soldagem e ferragem.
O contato com a Recria (Rede Nacional de Turismo Criativo) no ano passado também colaborou para a criação do Galo da Madrugada. Depois que os laços se estreitaram com a entidade, periferias, como a Ilha de Deus, agora podem fazer parte do processo de produção do Carnaval pernambucano. Nossa visita ao Arte Plenna veio seguido do desafio artístico: escolher um vinil, ouví-lo e, inspirado pela música, pintar uma obra em seu corpo para ser projetada amanhã durante o desfile do Galo da Madrugada pelas ruas do Recife.
“Existe o Galo antes e depois de Nóbrega”, reconhece os carnavalescos da Bomba do Hemetério. O visual do Galo têm passado por transformações a cada ano, assinadas por diversos nomes, como o artista plástico Sávio Araújo (2010-2016) e arquiteto Carlos Augusto Lira (2017). Desde o ano passado, quando Nóbrega assumiu a criação, o Galo nunca mais foi o mesmo. Ele agora estimula a recuperação do espírito artesanal pernambucano e incentiva a utilização de tecnologias sustentáveis. “Muitos coletivos criativos deram origem à obra”, conclui.