"A água que a gente bebia tinha muita impureza, até lama. Já essa água é pura. A qualidade de vida melhorou pra muita gente". É assim que Hermínio Barbosa Pinheiro, de 67 anos, resume a chegada do Programa Água Doce (PAD) à comunidade rural onde ele vive, no Norte de Minas. Assim como ele, os cerca de 250 moradores dos distritos de Cristino 1 e 2, no município de Mato Verde, sentiram significativa mudança no dias a dia a partir do simples gesto de beber água tratada e em conformidade com os mais rigorosos padrões de qualidade.
Logo na chegada ao pequeno distrito Cristino 1, é possível ver o sistema de tratamento de água. O serviço foi inaugurado há mais de um ano, em junho de 2022, pelo Governo de Minas , por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) . Sessenta dias depois, outro sistema foi inaugurado no distrito vizinho, Cristino 2.
Essas foram as primeiras ações do PAD, que atualmente tem 49 obras já concluídas e outras 20 previstas até o fim do ano em Minas Gerais, beneficiando diretamente 26 municípios e 28 mil habitantes.
O secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Mato Verde, Cristiano Mendes Neto, conta que os sistemas fornecem gratuitamente cerca de 6 mil litros por semana para os moradores das comunidades. A distribuição acontece por meio de fichas, que são coletadas na Unidade Básica de Saúde (UBS) do distrito, onde há um cadastro com o nome de cada morador. Cada ficha dá direito a 20 litros de água potável.
"Esse programa veio para ficar. Trouxe saúde, respeito e dignidade para as mais de 130 famílias que são atendidas nos distritos Cristino 1 e 2. As pessoas hoje têm qualidade de vida, porque têm água potável de qualidade, coisa que nunca tiveram", pontua.
Oportunidade
Cada município beneficiado pelo programa é responsável pela formação de um conselho gestor, composto por cinco pessoas. Em Mato Verde, os integrantes do conselho selecionaram Getúlio Lourenço, de 28 anos, para ser o operador do sistema na comunidade. Ele é natural do distrito Cristino 1 e a chegada do PAD surgiu como uma oportunidade de mudança na vida profissional do jovem.
Ele foi o primeiro mineiro a fazer o curso técnico oferecido em Campina Grande, na Paraíba, para aprender a operar as máquinas do programa. "Foi um grande prazer. Pude pela primeira vez viajar de avião, coisa que eu nunca tinha sonhado em fazer. Hoje, estou aqui operando o sistema, que é tão bom para a comunidade. O povo aqui não fica mais sem essa água. Para mim, é até melhor que a água mineral", conta.
Saneamento e saúde
O consumo de água sem tratamento ao longo dos anos trouxe implicações à saúde dos moradores da comunidade. Celso Soares Lima, de 54 anos, conta que precisou passar por uma cirurgia para retirada da vesícula biliar, por conta da inflamação do órgão, associada à formação de cálculos.
"Não só eu, como outras pessoas da minha família e da comunidade, tivemos esse problema por causa da água que não era adequada. Hoje, não. Chegou o dessalinizador, temos água boa e à vontade. Mudou a vida de todo mundo daqui", conta.
Valdino José do Nascimento, de 77 anos, conta que a batalha da comunidade é antiga para ter acesso à água de qualidade. "Há muitos anos nós lutamos com a questão da água aqui, nunca tivemos uma boa igual essa. Está resolvendo o problema, porque já sofremos demais aqui com água ruim. Hoje, estamos bebendo uma água cristalina e com uma assistência que é prestada dia após dia para todos da comunidade".
Ele levou a reportagem até sua casa, que fica a um quarteirão da estação de tratamento do PAD, para mostrar como a água é utilizada rotineiramente. A esposa, Geralda Aparecida Simões, de 79 anos, mostra que a água chega no vasilhame e é colocada em jarras para ser usada na cozinha. A partir daí, é usada para preparar os alimentos e também colocada na geladeira, para ser consumida geladinha durante o dia.
"Antigamente, eu precisava comprar água mineral para a gente beber. Comprava um vasilhame de 20 litros para a semana toda e às vezes não dava. A gente ficava com medo de beber a água do poço, que não era tratada. A gente colocava a água no filtro e as velas com oito dias ficavam cheinhas daquela terra. Agora essa, não. Já temos aquela certeza de que é uma água pura e boa", diz.
Gestão
O programa Água Doce visa estabelecer uma política pública permanente de acesso à água de qualidade para o consumo humano, por meio do aproveitamento sustentável de águas subterrâneas com a implantação e gestão de sistemas de dessalinização. O Núcleo Estadual do PAD em Minas Gerais é formado pela Semad, por meio da Subsecretaria de Gestão Ambiental e Saneamento (Suges), além do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) , da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) e da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater) .
Para execução do programa, a administração estadual firmou um convênio com a União, por meio do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, no valor de R$ 25 milhões, dos quais R$ 10 milhões são disponibilizados pelo Governo de Minas .
"O PAD leva acesso à água potável às comunidades rurais do semiárido mineiro, um projeto que já havia sido realizado em estados do Nordeste, mas que é inédito em Minas. Começamos pela querida Mato Verde, onde a prefeitura nos atendeu tão bem no diagnóstico e implantação do programa", destaca o subsecretário de Gestão Ambiental e Saneamento da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Rodrigo Franco.
José Geraldo de Freitas, assessor de apoio à gestão do PAD na Cedec, explica que o programa não fura poços, mas, sim, realiza a revitalização das estruturas já existentes nas comunidades e entrega os sistemas de dessalinização, tornando potável a água que até então era salobra. "Esse programa representa um marco histórico em ações de enfrentamento à escassez de água em Minas, com especial atenção aos municípios que mais sofrem os efeitos do desastre da seca", salienta o coordenador adjunto da Defesa Civil, Carlos Eduardo Lopes.
Como funciona o sistema
Os equipamentos instalados pelo PAD são dessalinizadores que funcionam utilizando o princípio da osmose reversa, no qual a água é bombeada através de membranas para que haja uma separação mecânica dos poluentes.
A parte principal do funcionamento do equipamento consiste em uma bomba de alta pressão, a qual é responsável por bombear a água para que ela passe pelas membranas de osmose reversa, em um processo de difusão. Contaminantes como macro e micromoléculas, bactérias, sais e vírus são retidos na parte anterior da membrana, seguindo com concentrado para posterior evaporação nos tanques de concentrado.
Apesar de ser considerado um processo mecânico, os equipamentos instalados contam com a utilização de químicos em duas etapas. A primeira etapa consiste em um pré-tratamento utilizando uma solução anti-incrustante, para proteger a integridade das membranas contra entupimentos orgânicos e inorgânicos. A segunda etapa consiste no pós-tratamento com cloro para evitar uma possível contaminação futura por patógenos orgânicos.
Os equipamentos instalados contam com sensores analógicos de monitoramento e segurança como rotâmetros, manômetros, pressostatos e dispositivos de proteção contra curto-circuito.