O Ministério da Justiça e Segurança Pública pretende viabilizar o retorno da publicidade voltada a crianças e adolescentes. A ideia é que a regulamentação vá além dos veículos tradicionais, abrangendo também as plataformas digitais. De acordo com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, a regulamentação excessiva tem prejudicado veículos de mídia e, consequentemente, a produção de programas voltados ao público infantojuvenil.
“Ouvi uma reclamação que me pareceu correta, na área da TV, de que uma regulação excessiva causava o afastamento da publicidade para esse setor. Como a TV muitas vezes sobrevive através de anúncios e anunciantes, isso gerava dificuldade de se produzir material destinado ao público infantojuvenil”, disse ontem (3), o ministro durante a abertura do seminário A Regulação da Publicidade Infantil: Mídia Tradicional x Plataforma Digital.
Presente no mesmo evento, o secretário Nacional do Consumidor, Luciano Timm, disse que há um estudo que indica que é necessário ter de 20% a 30% do tempo de um programa com algum tipo publicidade para que ele seja viável economicamente. “Para ter programa infantil, em tese, você teria de ter publicidade infantil. Do contrário você não tem programa infantil. Ou o programa será pago ou será um [veiculado por um] canal estatal”, disse o secretário.
Segundo Moro, o tema é complexo por envolver um público vulnerável. Por esse motivo, o ministério abriu, até o dia 27 de fevereiro, uma consulta pública visando a obtenção de sugestões para melhorar o texto inicial de uma portaria a ser publicada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).
“O objetivo primordial é a proteção da criança. Vamos analisar se isso pode ser feito e de que forma pode ser feita a publicidade para essa área”, disse o ministro referindo-se ao texto inicial, que estabelece limites e regras para as peças publicitárias.
O texto e o espaço destinado a sugestões e críticas foram disponibilizados no site do ministério.
Entre as proibições expressas na primeira versão da portaria estão estímulos a qualquer tipo de descriminação; associação de crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua hipervulnerabilidade e a provocação de situações de constrangimento visando o estímulo ao consumo.
A portaria veta também o uso de crianças e adolescentes como modelos de apelo ao consumo; o uso de formato jornalístico que possa confundir anúncio com notícia e o uso de situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo no público infantojuvenil.
Ainda segundo o texto inicial da portaria, está “proibida qualquer ação de merchandising ou publicidade indireta contratada que empregue crianças, elementos do universo infantil ou outros artifícios com a deliberada finalidade de captar a atenção desse público específico, qualquer que seja o veículo utilizado”.
“A publicidade de produtos e serviços destinados exclusivamente a esse público estará restrita aos intervalos e espaços comerciais”, complementa a portaria, que veta também participação de crianças e adolescentes em peças publicitárias de bebidas alcoólicas e de armas de fogo.
Luciano Timm (foto) disse que o governo pretende avançar no sentido de estender as regras às plataformas digitais, de forma a abranger sites de bloggers e os chamados influenciadores digitais, uma vez que “eles não deixam de ser mídias, nas quais existe também publicidade infantil”. “Este talvez seja o meio em que as crianças mais assistam hoje em dia”, disse o secretário.
Na avaliação de Timm, as plataformas digitais são mais difíceis de serem controladas por não estarem sujeitas, hoje, à autorregulação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). “Elas têm as políticas delas, mas nós queremos que elas tenham um parâmetro mínimo de atuação no mercado. Que esses parâmetros sirvam para todos, uma vez que as mídias hoje concorrem entre si”, argumentou.
Segundo Timm, o governo está propondo à sociedade o mínimo que a própria autorregulação trouxe. “É preciso que haja clara separação entre a divulgação de uma opinião, por exemplo em um blog, e quando estou fazendo um anúncio publicitário. Isso não está bem claro ainda, quando se examinam youtubers ou bloggers, sobre o que é liberdade de expressão e o que é efetivamente publicidade”.
A intenção do governo de possibilitar a veiculação de publicidade destinada ao público infantojuvenil foi alvo de críticas do Instituto Alana, entidade que atua na proteção de direitos das crianças e que participa do seminário.
Segundo a advogada do Programa Criança e Consumo do Instituto Alana, Livia Cattaruzzi, a Constituição Federal, em seu Artigo 227, estabelece a obrigação compartilhada entre Estado, família e sociedade, o que inclui empresas, agências de publicidade e plataformas digitais, de assegurar os direitos das crianças com absoluta prioridade.
Já o Estatuto da Criança e do Adolescente, que é de 1990 e define criança como toda pessoa de até 12 anos incompletos, prevê que, por viver uma fase especial de desenvolvimento, físico, cognitivo, psicológico, social e emocional, a criança não tem maturidade nem discernimento para distinguir publicidade de conteúdo.
“Nessa fase o indivíduo não consegue distinguir o caráter persuasivo da publicidade, até por seu sistema cerebral estar inconcluso”, disse Lívia, que é porta-voz do instituto. “Por esses motivos, as crianças são consideradas, em todas as áreas, um ser em desenvolvimento e hipervulnerável nas relações de consumo, inclusive no âmbito dos direitos dos consumidores”.
A advogada cita, ainda, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) que prevê que a publicidade deve ser fácil e imediatamente identificável pelo seu publico e considera abusiva e ilegal a prática de direcionar publicidade ao público infantil, de qualquer tipo de produto ou serviço, em qualquer meio de comunicação ou espaço de convivência da criança.
De acordo com o instituto, a legislação atual vale “para qualquer publicidade, em qualquer meio de comunicação, suporte de mídia, meio ou espaço de socialização de crianças”. Assim sendo, ela contemplaria também as plataformas digitais.
“Obviamente a internet mistura conteúdos e publicidade, tornando difícil identificação pelas crianças. Nesse sentido, entendemos a importância de uma regulamentação mais forte e específica. Assim sendo, a melhor forma de lidar com essa situação é por meio de uma fiscalização eficiente. O que temos de fazer é fortalecer a fiscalização, inclusive com a ajuda da sociedade, fazendo denúncias a Procons, defensorias públicas, Senacon e demais órgãos de defesa do consumidor e dos direitos das crianças ”, disse.