Viajar ou não viajar? Eis uma questão que tem se espalhado tão rapidamente como o coronavírus. Mas, assim como com a doença, ainda não existe uma receita pronta de como conter esse problema.
Não há uma unidade entre as políticas adotadas pelas companhias aéreas. Isenção de multa por cancelamento, taxa de remarcação ou reembolso integral variam de acordo com cada empresa e destino.
Mas, se por um lado, falta padronização para amparar o consumidor, por outro ele pode contar com a lei.
“O artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê a proteção da vida, da saúde e segurança. Com o coronavírus, o passageiro tem o direito de não querer colocar sua vida em risco e, portanto, pode cancelar sua viagem internacional sem custo”, afirma o coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa.
Segundo o advogado, o artigo também prevê o direito de alterar uma cláusula contratual quando surgir um fato superveniente.
“Mesmo se a multa estiver prevista no contrato da companhia aérea, o coronavírus é um fato novo que justifica a não cobrança”, explica Barbosa.
As taxas para reembolso ou alteração da data da viagem variam de US$ 100 (cerca de R$ 450) a US$ 300 (R$ 1.350).
O publicitário Daniel Salgado, 35, está com viagem marcada para Milão. Ele iria no dia 19 de março com a mulher, a irmã e a mãe, mas resolveu não correr o risco, pois a Itália é um dos países com mais casos confirmados depois da China.
Para remarcar a data, ele teria que pagar US$ 150, ou seja, R$ 675. O valor equivale a 22% do preço que ele pagou pela passagem. “Estamos tentando reembolso ou remarcação sem taxa, mas estamos nas mãos da Latam. Pelo comunicado da empresa, só haverá isenção de cobrança para as viagens até 1º de março”, afirma Salgado.
No caso da família dele, o transtorno não é só financeiro. “É difícil conciliar as férias de todos. Eu consegui uma semana, e posso tirar depois. Mas minha irmã tirou o mês todo e não tem como mudar. Ela pretende ir com a minha mãe para outro destino, mas, quanto mais a companhia demora a definir sobre reembolso ou remarcação, mais caras as outras opções ficam”, diz Salgado.
Por meio de nota, a Latam afirma que “avaliará pontualmente as necessidades de seus passageiros para oferecer a melhor solução de viagem e informará sobre qualquer alteração”.
Segundo a especialista em direito do consumidor Érica Compart, o passageiro que optar por cancelamento ou remarcação também pode usar como argumento a prevenção a danos, prevista no inciso VI do artigo 6º do CDC.
“Se a viagem é para uma zona de risco à vida, o passageiro tem direito à prevenção. Se a empresa se recusar a alterar sem custos, ele pode procurar o Procon ou a Justiça”, orienta a advogada.
Algumas companhias, como a Azul, por exemplo, já estão isentando a cobrança de remarcações para quem fizer conexão em Portugal, desde que o destino final seja a Itália.
Vale ressaltar que cada empresa tem uma política, que considera as datas de emissão dos bilhetes e de embarque, e que essas determinações também podem mudar a qualquer momento, à medida que a epidemia avançar.
Agências de viagem buscam negociação
A professora Renata Vuolo, 40, desistiu de acompanhar o marido em uma viagem profissional aos Estados Unidos.
“Pensei muito na minha filha, que ficaria aqui, e vi que não tinha necessidade”, conta. Diante do medo dos turistas e dos cancelamentos de vários eventos internacionais, as agências de viagens já estão sentindo.
“Desde o início de fevereiro, percebemos uma queda de 30%”, afirma a diretora da Asas Turismo, Júnia Castro – que, no momento, está negociando a isenção de taxas para remarcar a viagem de dois clientes.
“Eles iriam para um evento no Uzbequistão (Ásia Central). Lá não tem coronavírus, mas eles receberiam pessoas de 23 países. Então, adiaram para outubro. A companhia aérea não está abrindo mão da cobrança para remarcar. Mas ainda estou negociando”, conta.
Júnia conta que as agências sempre ficam no meio do fogo cruzado, pois, por mais que se empenhem em solucionar o problema, acabam esbarrando nos limites dos fornecedores.
“O que eu posso fazer, neste momento, é devolver a comissão da agência”, diz ela.
Raquel Novaes, da To Travel, também já sentiu os efeitos do vírus no negócio. “Alguns clientes que estavam olhando viagens resolveram esperar um pouco. Quem pensava na Europa está mudando o destino”, diz.
Raquel acredita que as companhias tendem a ficar mais flexíveis. “As orientações mudam constantemente, de acordo com o avanço da doença. O importante agora é buscar informações o quanto antes na agência ou na companhia para entender as regras de reembolso ou cancelamento”, orienta.
Escolha do destino exige bom senso
Na avaliação da CEO da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), Monica Samia, a principal recomendação é que os passageiros busquem informações sobre a real situação em órgãos oficiais, como Organização Mundial da Saúde (OMS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ministérios da Saúde e do Turismo.
Para quem ainda está escolhendo o destino, a orientação é usar o bom senso.
“Caso não haja necessidade de ir para regiões mais afetadas, busque alternativas”, destaca Monica. Segundo ela, as agências estão mobilizadas para orientar sobre remanejamentos, mudanças de itinerários, cancelamentos e reembolsos, conforme cada fornecedor e cada destino.