A Justiça tem rejeitado uma série de pedidos da Procuradoria da Fazenda da União para reter de maneira prioritária milhões de reais de réus da Lava Jato com o argumento de que os crimes descobertos na operação geraram prejuízos ao fisco.
A União, nesses pedidos, tenta se colocar como vítima ao lado da Petrobras, afirmando que o desvio de recursos revelado nas investigações da Lava Jato, que completa seis anos nesta terça-feira (10), constituiu também sonegação fiscal e que tem preferência sobre outros prejudicados.
Nos processos da Lava Jato, a devolução determinada pela Justiça de verbas desviadas beneficia a estatal petrolífera, que está no centro do esquema de corrupção investigado desde 2014.
Em decisões recentes, em janeiro, a juíza federal Carolina Lebbos, que atua em procedimentos paralelos da operação em Curitiba, negou bloquear R$ 52,5 milhões do doleiro Alberto Youssef e R$ 11,7 milhões do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, conforme pedia a Procuradoria da Fazenda.
No caso envolvendo o doleiro, a União disse que havia risco de a destinação de bens na esfera criminal prejudicar o pagamento de compensações na esfera cível e que os depoimentos do réu na Justiça já demonstram que houve sonegação fiscal.
Em relação a Youssef, a primeira negativa havia sido ainda do então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro, em 2017. Além de defender a prioridade da Petrobras sobre a recuperação dos danos, o então juiz disse que o acordo de delação já pressupunha que os valores sequestrados fossem destinados à Petrobras.
A defesa do doleiro, o Ministério Público Federal e os advogados da Petrobras também se posicionaram contra essa solicitação.
Neste ano, Lebbos também argumentou em despacho que as condenações de Youssef diziam respeito a crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e de organização criminosa, sem que tenha havido imputação a crimes tributários.
Em segunda instância, juízes também já rejeitaram pedidos da União para bloquear recursos do ex-ministro José Dirceu e da doleira Nelma Kodama - neste último caso, a vítima principal do caso era o Banco do Brasil.
No procedimento relacionado ao ex-ministro, a União argumentou que os atos de corrupção consistiram na inclusão de propina como custo de contratos firmados na Petrobras, o que reduziu o lucro da estatal e, consequentemente, também diminuiu os tributos sobre o lucro devido ao fisco.
Para o Ministério Público, os efeitos a partir do prejuízo causado à estatal são consequências sem relação direta com os crimes imputados na Lava Jato.
O relator João Pedro Gebran Neto, em julgamento de 2018 relacionado a Dirceu, concordou com esse posicionamento e afirmou que seria preciso analisar outras provas para comprovar que houve o prejuízo citado pela Procuradoria da Fazenda.
Para Gebran, seria preciso apresentar uma outra denúncia (acusação formal) tratando especificamente do crime de sonegação.
O juiz considerou que "carece de probabilidade de direito" a tese jurídica de que a União é vítima dos crimes imputados ao ex-ministro nas denúncias oferecidas no âmbito da Lava Jato. Ele foi seguido por outros juízes da corte regional.
No julgamento de Nelma, a União argumentou que já havia em tramitação procedimento administrativo no âmbito da Receita Federal (cobrança administrativa de devedores do Fisco), com autos de infração, o que reforçaria a necessidade do bloqueio.
Nelma, primeira presa da Lava Jato, ainda em 2014, também firmou acordo de delação e, no ano passado, recebeu o benefício do indulto (quando o Estado declara não ter mais interesse em punição), obtido em decorrência de decreto natalino do então presidente Michel Temer, em 2017.
Questionada pela reportagem a respeito das decisões da Justiça, a Procuradoria da Fazenda afirmou apenas que esses pedidos em tramitação "caminham em paralelo com as outras medidas de cobrança para realizar a indisponibilidade de ativos na seara cível".