Por Itasat
A pandemia impediu que a Festa do Divino em São João del-Rei, na região Central de Minas, fosse realizada nas ruas em 2020 e, neste ano, ainda não é possível promover a comemoração. Mas quem gosta da tradição do festejo poderá acompanhar nesta segunda-feira (31), a transmissão da live Festa do Divino: uma bandeira de fé, justiça e liberdade, às 17h, pelo canal do Museu do Pontal no YouTube.
Como detentor do maior acervo de arte popular brasileira, o Museu do Pontal, com sede nova na Barra da Tijuca prestes a ser inaugurada, tem esculturas e modelagens que mostram a dimensão plástica e aspectos desse mundo festivo religioso.
A conversa na live será coordenada pela professora Martha Abreu, da Universidade Federal Fluminense (UFF). O encontro tem como convidados os representantes da Folia do Divino de São João del-Rei Geraldo Elói de Lacerda, Júlia Maria de Lacerda Açucena Nascimento, além de Simone de Assis, historiadora e pesquisadora na área do afro-catolicismo, com destaque para Festas do Divino, Congadas e Cosmo percepção bantu-congo.
Para quem participa da tradição é difícil ficar longe dessa manifestação cultural. Neste ano, para não passar totalmente em branco, as novenas foram transmitidas por meio virtual na página Jubileu do Divino e, inclusive, as celebrações das missas solenes. A realização das congadas, no entanto, ficou para quando a pandemia acabar. A historiadora Simone de Assis contou que a festa na cidade começou em 1774 e, desde então, por outros motivos, chegou a ser interrompida algumas vezes.
“Teve um período em que foi proibida por causa do bispo da época, em 1924. Teve uma movimentação nesse intervalo, voltou em passos tímidos em 1997 e foi reinventada nesse caráter de ser mais popular em 1998”, disse ela, em entrevista à Agência Brasil.
Simone lembrou que as festas do Divino Espírito Santo celebram Pentecostes, que neste ano caiu no domingo passado (23), e são realizadas 50 dias após a Páscoa, com a descida do Espírito de Deus sobre os apóstolos e seus seguidores.
“Depois da Páscoa, no primeiro dia que representa a ressurreição, as folias já saem falando que daqui 50 dias haverá a mítica de que o Divino Espírito Santo descerá em terra. Elas anunciam, mas como anunciar e trazer esse festejo não apenas dentro do espaço de uma igreja em si, mas ocupando ruas, trazendo uma movimentação e a prática cultural da religiosidade na festa? Não é de qualquer maneira. Tem que estar vestido de roupa específica, tem que estar com os instrumentos que dão identidade àquele grupo. Todos os elementos e os saberes que vão atravessando o espaço, o tempo e perduram séculos e séculos”, comentou.
“[É preciso] entender esse dia que é forte e que carrega, no caso da festa em si, o espaço que a gente tinha de congadas e de folia. Então, entender os batuques afro-mineiros também por meio da bandeira do Divino Espírito Santo”, completou.
O símbolo mais conhecido do divino é a pomba sagrada, que ilumina a todos com sua sabedoria e generosidade com os pobres. A historiadora disse que a festa está ligada ao afro-catolicismo e representa o momento de afirmações negras dentro do contexto da Igreja Católica, trazendo múltiplas crenças para a figura do Divino Espírito Santo e o quanto ele carrega de identidades étnicas.
“Ela representa para mim o momento de alegria, de politização e de afirmação de identidades negras”, afirmou, acrescentando que tem uma ligação especial com o Divino Espírito Santo porque é filha de um benzedor e, desde criança, teve contato com a figura da pombinha, além de, ao longo da vida, ter se dedicado ao estudo da representação da festa.
Sincretismo
Para a historiadora, não é possível entender a Festa do Divino Espírito Santo como uma manifestação sincrética, como ocorreu na associação dos santos católicos com religiões de matrizes africanas. “As substituições sincréticas de falar da pombinha do Divino Espírito Santo, mas trazendo a figura de Oxalá, o orixá ligado ao pássaro branco, seria algo mais associado aos iorubanos. Quando a gente pensa nessas manifestações aqui em Minas Gerais, a gente traz outra identidade, a bantu-congo, que não é sincrética e representa outra vivência religiosa”, observou.