Quem passou em frente ao Hospital João XXIII na manhã dessa terça-feira (6/6), Dia Nacional de Luta Contra Queimaduras, foi surpreendido pela blitz educativa promovida pelo Centro de Tratamento de Queimados Ivo Pitanguy (CTQ) do Hospital João XXIII (HJXXIII). A ação teve o apoio da Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ), do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais e do grupo teatral Sementes, que integra o Centro de Referência da Pessoa Idosa da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).
A abordagem levou informação e dicas de cuidados a mais de mil pessoas de diversas idades. Durante duas horas homens, mulheres e crianças também presenciaram a simulação de situações corriqueiras capazes de causar graves danos à saúde física e mental.
O impacto dessa iniciativa pode ser medido levando-se em conta que, anualmente, um contingente quase duas vezes maior que o número de pessoas abordadas em uma manhã dá entrada no HJXXIII, após sofrer queimaduras de 1º, 2º ou 3º graus. São atendidos, em média, 1.900 casos todos os anos. Nos últimos sete anos, mais de 14 mil sofreram acidentes que poderiam ser evitados com a adoção de cuidados simples.
Círculo virtuoso
Como destacou a cirurgiã do CTQ e vice-presidente da SBQ, Kelly Araújo, se todas as pessoas abordadas adotassem, a partir de agora, os cuidados que foram sugeridos e também compartilhassem as informações recebidas com, pelo menos, outra pessoa que se dispusesse a mudar de atitude, numa espécie de círculo virtuoso, provavelmente, o número de acidentes envolvendo queimaduras iria reduzir ao longo dos próximos anos.
“As pessoas costumam minimizar os riscos. Durante as abordagens, muitos chegam a contradizer as informações e orientações que damos, dizendo que a coisa não é bem assim”, contou a médica.
Ressignificar a dor
A ex-paciente do CTQ Maria Luiza Fortes (Malu), de 23 anos, participou da blitz. Há dois anos, ela chegou ao HJXXIII em estado crítico, após ter mais de 20% do corpo atingido pelo fogo, em um acidente no qual a motocicleta em que estava na garupa incendiou-se durante o trajeto. Hoje, ela supera as cicatrizes físicas e emocionais por meio do incentivo àqueles que, como ela, vivenciaram esse tipo de acidente. Seu perfil no Instagram conta com mais de 20 mil seguidores e, no TikTok, são 80 mil, onde ela fala com leveza sobre o assunto.
“Quando eu cheguei no HJXXIII após o acidente, pensei que não iria sobreviver. Agora, retorno para ajudar as pessoas a não se colocarem em risco, em situações que podem gerar queimaduras”, afirmou a jovem.
Coincidência ou não, no último domingo, ao visitar a avó de 86 anos, Malu percebeu que o benjamim usado na casa da idosa estava mal conservado. A reflexão foi imediata: “Se todos soubessem o quanto é trágico e doloroso ter o corpo queimado e levar as cicatrizes para o resto da vida, seriam mais cuidadosos em sua rotina diária”, salienta.
Saber para prevenir
Abordado durante a ação educativa, Jorge de Sena Amaral, de 64 anos, contou que tem o hábito de acender a churrasqueira usando álcool líquido. “O fogo já ‘lambeu’ minhas sobrancelhas”, revelou. Segundo ele, depois de receber as orientações dos especialistas, irá ser mais cuidadoso e abolir o uso do líquido inflamável. “Vou adotar essas dicas”, prometeu o idoso sob o olhar atento da esposa Ana Maria Lopes Amaral, de 57 anos.
A aposentada Isa Armanda de Resende, de 62 anos, e seu neto Murilo, de 7 anos, completados no dia anterior, pararam para assistir aos esquetes que o grupo teatral Sementes preparou, com situações do dia a dia potencialmente capazes de provocar acidentes envolvendo queimaduras.
Curioso, Murilo quis saber do que se tratava e recebeu orientações para não se envolver naquelas situações. A avó afirmou que está sempre atenta aos cuidados para que o neto não se queime. “Já me queimei duas vezes, ao evitar que minha mãe se queimasse ao cozinhar. Além disso, minha irmã se acidentou com óleo fervente e foi atendida no HJXXIII há, aproximadamente, sete anos. “Tem que fazer campanha mesmo, tem que informar as pessoas para que elas se cuidem”, reiterou Isa.
Mobilização
Parceiro da ação, o segundo sargento do Corpo de Bombeiros Luiz Fernando Diniz Almeida afirma que “o desconhecimento sobre os cuidados é muito grande. A mobilização que a abordagem gera, principalmente pela cobertura da imprensa, pode surtir um efeito positivo, o que nos auxilia na prevenção”, pondera.
Com base em sua experiência no atendimento às ocorrências ligadas a queimaduras, sargento Almeida conta que a maioria dos incêndios em residências decorre de acidentes com a rede elétrica.
Também presente como apoiador da blitz, o tenente do Corpo de Bombeiros Elton Assumpção, 40 anos, compartilhou sua experiência pessoal para ilustrar que, mesmo quando se tem conhecimento suficiente sobre as causas dos acidentes que envolvem queimaduras e são adotadas medidas de precaução, ainda é possível que se enfrente situações de risco, bastando para isso alguns segundos de descuido.
Sua filha Luiza, de 4 anos, quase se envolveu em um acidente na cozinha ao tentar se dependurar nas alças do fogão, atraída pelo brilho do eletrodoméstico. O tenente foi rápido em afastar a pequena e evitar que o acidente ocorresse. Depois de mais uma corriqueira conversa sobre os riscos de queimaduras, Luiza prometeu ao pai que não iria repetir a perigosa travessura.
Conscientizar
Outra apoiadora da ação educativa, a diretora teatral do grupo Sementes, Beth Haas, acredita que por meio da arte é possível conscientizar as pessoas e o uso dos esquetes teatrais é bastante educativo.
Assim como grande parte das pessoas ouvidas durante a abordagem, ela também já experimentou a angústia da exposição ao risco. Seu neto de 2 anos quase se queimou ao tentar tocar uma panela quente.
Com o slogan “Não se choque, eletricidade queima”, a campanha Junho Laranja deste ano, promovida pela Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ), busca alertar as pessoas para os riscos representados pela eletricidade, a fim de evitar que se envolvam em acidentes desse tipo, sem esquecer, porém, das demais causas, como as queimaduras térmicas.